12/11/15 14h40

China troca de amigos na América Latina e se aproxima do Brasil

Valor Econômico

O Brasil está, pouco a pouco, assumindo a posição de carro-chefe do investimento chinês na América Latina, em meio ao distanciamento de Pequim em relação a aliados ideológicos dependentes do petróleo, como a Venezuela.

A crescente presença de Pequim no que Washington considera seu "quintal" deu a líderes latino-americanos uma bem-vinda dose de independência em relação aos EUA e proporcionou-lhes um grau de liberdade para implementar projetos considerados suas "menina dos olhos". Entre 2010 e 2014, os US$ 90 bilhões em empréstimos da China à América Latina ultrapassaram os desembolsos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) na região, segundo relatório da Global Economic Governance Initiative, da Universidade de Boston.

Hoje, a entrada de fundos chineses já não é tão caudalosa. A queda acentuada do preço do petróleo levou a uma redução dos investimentos chineses em nações dependentes de exportações de petróleo. Na América Latina, isso significa que a China está se distanciando de amigos "esquerdistas", como Venezuela ou Equador, e aproximando-se de outros países, entre eles Brasil e Chile.

"O governo chinês ficou mais cauteloso quando à concessão de empréstimos desde que o presidente Xi e Li assumiram o poder, especialmente empréstimos para países como a Venezuela e o Equador", diz Li Renfang, analista para América Latina na Universidade Sudoeste de Ciência e Tecnologia, referindo-se a Xi Jinping e Li Keqiang, respectivamente presidente e premiê da China.

"No passado, o investimento chinês nos países tinha conotações ideológicas e políticas, mas hoje damos maior peso aos interesses econômicos", diz Renfang.

A nova cautela exibida pela China decorre não só do barateamento do petróleo, mas também do fato de que seu próprio crescimento está esfriando, o que reduziu sua capacidade de alocar fundos ao exterior. Entretanto, a interdependência estabelecida durante o boom de commodities que durou uma década não é facilmente abalável. A desaceleração do PIB chinês impactou fortemente as moedas latino-americanas. O crash de agosto na Bolsa de Xangai levou as ações de empresas brasileiras a seu nível mais baixo desde 2009.

Um estudo realizado por Eileen Fahey, executiva-chefe de crédito na Fitch Ratings, mostrou que os países e as empresas latino-americanas mais expostos a uma desaceleração da demanda chinesa são também aqueles com um comércio mais intenso com a China ou que tomam mais empréstimos dos chineses. Isso cria um potencial para um círculo vicioso em face do esfriamento simultâneo da China e dos mercados de commodities.

"Houve uma queda perceptível tanto no número de transações como no valor total de projetos" após o colapso dos preços do petróleo e de commodities no verão de 2014, diz Andrew Davenport, diretor operacional da RWR Advisory, empresa de pesquisas de Washington que monitora contratos fechados com a China e a Rússia.

Antes do colapso, as transações vinham crescendo continuamente após um salto na atividade em 2011. Embora possa levar algum tempo para que a China diversifique efetivamente seus investimentos na América Latina, diz Davenport: "Há evidências de que a tendência esteja se reorientando nesse sentido".

Essa mudança favorece o Brasil, potência de commodities que já é o segundo maior fornecedor de minério de ferro e soja para a China.

"O Brasil é um importante destino de investimentos da China", diz Fan Hesheng, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos na Universidade de Anhui. "A Venezuela implica muitos riscos, porque depende demais do petróleo. Sua estrutura econômica não é bem organizada e, se for impactada pela queda dos preços das commodities, isso criará muitas dificuldades."

A abertura da China só veio depois que o Brasil se deparou com dificuldades para acessar capital de bancos ocidentais. Um escândalo de corrupção impediu a Petrobras de captar nos mercados de títulos. Então, entra em cena a China, que em maio veio em socorro com uma linha de crédito de US$ 10 bilhões. Metade provém do China Development Bank, que subscreveu a maior parte dos empréstimos da China à Venezuela garantidos por petróleo, alguns anos atrás.

Outros grandes acordos se seguiram. Em maio, a mineradora Vale selou um acordo de crédito de até US$ 4 bilhões com o Banco Industrial e Comercial, uma instituição estatal chinesa. E, em agosto, a Três Gargantas, empresa chinesa no setor de energia hidrelétrica, comprou duas barragens e uma subsidiária de trading do Triunfo, grupo brasileiro de infraestrutura, por US$ 538 milhões.

As oportunidades expostas pelo barateamento do petróleo podem abrir as portas para investimentos diretos chineses no Brasil antes elusivos. Por exemplo, a maioria de contratos em uma onda de acordos industriais chineses firmados 10 anos atrás não se concretizou, mas agora o dinheiro chinês poderá fluir para o setor petrolífero. E as empresas chinesas tinham permanecido de modo geral blindadas de participação direta no setor agrícola brasileiro, até a compra da Nidera, uma trader holandesa de grãos, pela Cofco, no ano passado.