30/11/17 11h27

Moedas digitais entram na roda do financiamento

Valor Econômico

O grande interesse e a intensa movimentação das startups e de investidores brasileiros em torno da nova modalidade de financiamento e captação de recursos conhecida como ICO (Initial Coin Offering) levaram a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC) a se manifestarem, rapidamente, por meio de notas de orientação ao mercado.

Diversas empresas estão se preparando para lançar suas ofertas, entre dezembro deste ano e o primeiro trimestre de 2018, em países e localidades como Canadá, Cingapura, Ilhas Cayman, Estados Unidos e, principalmente, a Suíça, que está sendo conhecida como o Cripto Valley, por já ter avançado na regulação dessas operações.

A opção pelo lançamento fora do Brasil ocorre justamente porque não há ainda regulação interna específica sobre o tema. Semelhante à Oferta Inicial de Ações (IPO, em inglês), o ICO funciona como uma aposta do investidor na empresa nascente que, em vez de ofertar ações, lança moedas digitais (as chamadas criptomoedas) por meio da emissão de tokens na plataforma de blockchain Ethereum, que fornece a criptomoeda de maior valorização depois do Bitcoin.

A tecnologia de blockchain é formada por bases de registros e de dados distribuídos e compartilhados, que funcionam como um livro-razão de forma pública para garantir confiabilidade de transações e de onde as moedas digitais se originam. Ao contrário das moedas soberanas, as moedas digitais não são emitidas por um banco central.

O Bitcoin é a primeira e a principal moeda digital, criada em 2008 pelo programador desconhecido Satoshi Nakamoto. Ela é obtida via mineração, processo executado por um sistema de software descentralizado, que paga, a cada 10 minutos, um bloco de Bitcoins para quem resolver primeiro uma série de operações de criptografia, que exige uma enorme capacidade de processamento.

Depois vieram as outcoins, que são como o mercado chama as moedas que surgiram após o Bitcoin. A outcoin mais valorizada até o momento é a Ethereum, baseada em uma plataforma de blockchain opensource, suportada por uma fundação que tem o apoio de empresas como a Microsoft e cuja moeda não necessita desse processo de mineração. Em função disso, a plataforma tem sido a preferida nas captações via ICO.

Para a realização do ICO, a empresa se apresenta ao mercado por meio de um white paper, documento semelhante ao prospecto de um IPO ou a um business plan, no qual a startup informa sua proposta de valor, seu potencial de crescimento, o valor dos tokens e que benefício eles vão proporcionar. Os tokens podem dar direito a uma participação no capital da empresa ou serem de utilidade (utility token), dando acesso a uma licença de uso ou de créditos para consumir um bem ou um serviço.

"O modelo mais usado atualmente é fazer um pré-lançamento com um valor fixado e ir aumentando à medida em que o prazo da oferta vai terminando", informa Cláudio Just, COO da Transfero Swiss AG, empresa suíça especializada em investimentos em criptomoedas, que no Brasil controla a Bit.One, startup de meio de pagamentos em moeda digital.

Ele explica que, encerrada a oferta, o token é lançado no mercado nas principais exchanges de múltiplos ativos digitais, como a Poloniex, Bittrex e Bitfinex, nas quais é possível fazer a captação de novos ativos ou a conversão do pré-lançamento em outro ativo digital para realizar o ganho na operação.

"Inicialmente, o preço cai, mas, se a empresa tiver sucesso, a moeda pode se valorizar. Porém a tendência é de que 90% dos ICO falhem, repetindo o que ocorre com o universo de startups em geral, em que a maior parte fracassa", analisa Just. Muitas emissoras de ICO estão ainda em estado pré-operacional, que enseja um componente de risco por si só.

Ele ressalta, porém, que há quem considere que o ICO tem o potencial de revolucionar o ecossistema de empreendedorismo uma vez que facilita o acesso das startups ao capital, dispensando que elas tenham de se submeterem aos rigorosos critérios de avaliação dos fundos de venture capital e investidores institucionais. Para o investidor, é a oportunidade de democratizar, em tese, o acesso a investimentos promissores desde o início, algo como se tivesse sido possível investir numa empresa como o Facebook ou o Google de forma simples, pela internet, desde sua fundação.

Mas as incertezas, a extrema volatilidade das moedas digitais, o caráter especulativo e os riscos de fraudes dessas operações vêm preocupando reguladores em todo o mundo, chegando a serem proibidas na China.

A CVM já havia emitido uma nota em 11 de outubro e passou um mês discutindo internamente se apresentaria um modelo de regulação. Até que decidiu emitir uma segunda nota e uma FAQ, publicadas simultaneamente com a nota do Banco Central, em 16 de novembro.

Para a CVM, os ICOs são emissões de ativos virtuais que representam valores mobiliários e não podem ocorrer em plataformas digitais no Brasil, já que elas não são autorizadas pela autarquia. O BC alerta que as moedas digitais não têm lastro nem garantia de conversão para moedas soberanas e não vê a necessidade de regulação desses ativos.