21/05/19 14h58

São Paulo, polo mundial de pesquisa

FAPESP

O encontro anual do Conselho Global de Pesquisa (Global Research Council) reuniu em São Paulo, no início de maio, lideranças de 52 das maiores agências governamentais de financiamento à pesquisa de 50 países. Organizado pela Fapesp, pela DFG alemã e pelo Conicet argentino, o tema do encontro foi "Como obter e demonstrar o impacto da pesquisa financiada com recursos públicos".

A agenda da reunião incluiu iniciativas para aumentar a participação de mulheres na pesquisa, formas pelas quais ciência e tecnologia podem auxiliar a alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela ONU. Ao lado do encontro principal, ocorreram workshops sobre infraestruturas de pesquisa na América Latina, sobre a pesquisa sobre desenvolvimento sustentável, e sobre a colaboração científica entre pesquisadores no Brasil e do European Research Council.

O tema central da reunião do Conselho foi o impacto da pesquisa financiada com recursos públicos na sociedade. Todas as agências participantes são governamentais e financiadas com recursos dos impostos, portanto a capacidade de criar e demonstrar benefícios intelectuais, econômicos e sociais é essencial. Os participantes reconhecem que a expectativa da sociedade por resultados de impacto cresceu nas últimas décadas, assim como uma certa impaciência com os prazos, muitas vezes longos, da ciência avançada. A comunidade científica, incluídas aí as agências financiadoras, percebe que precisa facilitar a visibilidade dos efeitos dos resultados para toda a sociedade.

As agências de financiamento reunidas destacam em seu documento que a excelência da pesquisa precisa ser o critério essencial na avaliação de projetos. Quanto mais relevante for a aplicação em potencial, maior deve ser a atenção à qualidade da pesquisa apoiada. Destacaram também que não basta demonstrar que avanços na ciência aumentam nossa compreensão da natureza e da sociedade. Cada vez mais é preciso tornar visível que esses avanços trazem benefícios intelectuais, econômicos e sociais.

O custo da produção de ciência e as possibilidades de aplicações com impacto imediato tornaram mais notável a tensão entre criar um estoque de conhecimento, para tratar de problemas novos que ainda não enfrentamos, ou criar as ideias que vão resolver os problemas imediatos. Os dois polos são essenciais, o desafio sendo definir em cada momento o equilíbrio virtuoso entre os dois. No Brasil vimos um exemplo há dois anos: quando a epidemia causada pelo vírus Zika aconteceu, o conhecimento acumulado há muitos anos por cientistas no país todo ajudou a compreender e a mitigar os efeitos.

Os resultados de pesquisa em filosofia, ciências humanas, sociais, nas ciências da natureza, nas engenharias e ciências da vida e da saúde mudaram para melhor a vida das pessoas e criaram perspectivas para a humanidade. É natural que a sociedade cada vez queira mais

Um dos maiores desafios para se demonstrar os impactos da pesquisa é relacionar a descoberta com seus efeitos, que, na maior parte dos casos, podem acontecer muitos anos, ou mesmo décadas, depois da descoberta. Um caso clássico é o da Google, cujos criadores foram financiados pela National Science Foundation dos EUA num programa sobre Bibliotecas Digitais. Larry Page recebeu uma bolsa em 1994, e Sergey Brin pouco depois. A Google começou a ser criada numa garagem em 1998 e em 1999 Page e Brin tentaram vender a companhia por um milhão de dólares, sem sucesso. Reduziram o preço para US$ 750 mil e mesmo assim nada conseguiram (https://tcrn.ch/2nLHa3s). Se a NSF tivesse feito nesse momento a avaliação do impacto do programa, poderia ter concluído pelo fracasso do investimento. Em 2004 os dois jovens foram ao mercado de ações onde a Google valeu US$ 23 bilhões. Em 2018, a empresa valia US$ 800 bilhões.

Técnicas econométricas permitem avaliar o retorno de investimentos em pesquisa, considerando o tempo decorrido para os resultados maturarem. Um estudo sobre os impactos da pesquisa na agricultura paulista, feito em 2017 pelo professor Paulo Cidade de Araújo, da Esalq, concluiu que para cada R$ 1 aplicado pela Fapesp em pesquisa em agricultura e pecuária, a produção do Estado cresce entre R$ 10 e R$ 12 (https://bit.ly/2Leuf76). Um retorno de investimento de 10 vezes não é para ser desprezado. Uma outra avaliação, feita sobre o programa de financiamento a pequenas empresas da Fapesp, o Pipe, mostrou que para cada R$ 1 aplicado pela fundação, as empresas mobilizam mais R$ 11 em faturamento ou outras fontes.

As agências participantes do Conselho Mundial de Pesquisa têm centenas de outros casos e metodologias para aferir e demonstrar impacto. O fato é que resultados de pesquisa em filosofia, ciências humanas, sociais, nas ciências da natureza, nas engenharias e nas ciências da vida e da saúde mudaram para melhor a vida das pessoas e criaram perspectivas para a humanidade. Frente aos bons resultados, é natural que a sociedade cada vez queira mais.

Para gerar mais impacto em benefício da sociedade com pesquisa financiada por recursos públicos é essencial aproveitar as oportunidades de colaboração internacional. Por isso, ter as lideranças das agências financiadoras em São Paulo é relevante para o Estado de São Paulo e o Brasil. Inserir a Fapesp de forma protagonista nos debates do GRC cria mais e melhor visibilidade para o esforço de pesquisa feito no estado, por universidades, empresas e institutos de pesquisa.

A reunião do Conselho Mundial de Pesquisa em São Paulo ajuda a fazer do Estado de São Paulo um dos polos mundiais de Ciência e Tecnologia. O país enfrenta uma crise econômica, de gestão e política como poucas vezes vimos, e não se trata de ignorá-la. Trata-se, sim, de manter o foco no interesse público e no objetivo maior, mesmo navegando-se em águas revoltas. Há muito a ser feito para melhorar ainda mais o sistema de CT no Estado. Mesmo assim muito já foi feito e há instituições de pesquisa, públicas e privadas, que permitem ao Estado buscar esse objetivo ousado.

Carlos Henrique de Brito Cruz é professor titular da Unicamp, diretor científico da Fapesp e recém-eleito Chair do Conselho Diretor do Conselho Global de Pesquisa.