12/11/18 12h52

Fintechs atraem investimentos e avançam em mercado dominado por grandes bancos

Brasil vive um 'boom' de startups financeiras e um ambiente favorável à concorrência, mas ainda são poucas as empresas que expandiram seus negócios no segmento

G1

O setor financeiro não é mais o mesmo desde a chegada das fintechs – empresas do segmento que aplicam tecnologia para melhorar suas atividades. Beneficiadas pela tecnologia e por um esforço de regulamentação, elas cresceram e ganharam espaço em um mercado antes impenetrável, concentrado há décadas nos cinco maiores bancos.

As fintechs são empresas de tecnologias focadas no mercado financeiro. Elas têm oferecido uma gama variada de serviços, como empréstimos pessoais e gestão de investimentos. Em tese, prometem um serviço mais ágil e menos burocrático do que o dos bancos. A maioria opera apenas em plataformas digitais.

O G1 publica, a partir desta semana, uma série de entrevistas com executivos de fintechs sobre os desafios e oportunidades do setor.

Dia 12/11: David Vélez, fundador e CEO do Nubank
Dia 19/11: Thiago Alvarez, fundador do Guiabolso
Dia 26/11: Sergio Furio, presidente da Creditas
Dia 3/12: Gustavo Chamati, CEO do Mercado Bitcoin

O crescimento acelerado do setor fica evidente quando se olha um levantamento da entidade que representa cerca de 350 empresas do segmento, a Abfintechs, em parceria com a PwC Brasil (PricewaterhouseCoopers). Em 2011, 28 startups financeiras haviam sido criadas. Já no ano passado, surgiram 219.

Mas deste universo, poucas fintechs conseguiram expandir seus negócios – metade delas ainda está em início de operação. Hoje, 58% não atingiram o break-even, o ponto em que começam a ter lucro, segundo estudo da Abfintechs.

Isso revela que o caminho para manter o negócio em funcionamento não é simples e muitas empresas acabam ficando pelo caminho. Cerca de metade das fintechs criadas desde 2011 – em torno de 700 – não existem mais.

Para o conselheiro da ABFintechs, Guilherme Horn, a taxa de mortalidade do segmento é baixa se comparada às demais startups, que é de 90%. "Os empreendedores das fintechs costumam ser mais experientes e maduros e isso ajuda a dar uma sobrevivência maior", diz.

A dificuldade em conseguir capital e ganhar escala ainda é grande, mesmo com o potencial para atrair clientes insatisfeitos com os serviços bancários, além parte do público desbancarizado, que soma 60 milhões de pessoas.

As maiores fintechs brasileiras – entre elas Nubank, Creditas e Guiabolso – tiveram um crescimento robusto nos últimos quatro anos, beneficiadas por rodadas de investimentos, mas há um longo caminho a percorrer.

Os 5 milhões de clientes que o Nubank alcançou em seu cartão de crédito representam um número expressivo, mas ainda é muito pequeno perto do universo abocanhado pelos grandes bancos. Bradesco e Itaú, por exemplo, têm respectivamente 95 milhões e 76 milhões de clientes, segundo o Banco Central.

CENÁRIO DE CONCORRÊNCIA

Dois terços das fintechs criadas no Brasil têm se mostrado dispostas a colaborar com os bancos e instituições financeiras, contrariando a noção de que elas seguem um caminho mais independente, aponta o conselheiro da ABFintechs, Guilherme Horn.

“Em vez de competir com os bancos, estas empresas estão mais voltadas a colaborar”, explica. Com isso, os próprios bancos passaram a ser mais receptivos a parcerias com as fintechs, como no caso do Guiabolso, que cresceu agregando produtos financeiros de várias instituições em sua plataforma.

Mesmo com essa tendência possibilitada pela tecnologia, as fintechs estão ajudando a mudar o cenário de concorrência no sistema financeiro, mas estão mais voltadas a abocanhar mercados ainda não explorados pelos bancos.

“Há fintechs nascendo para atender um público que nunca teve acesso aos bancos e com produtos de nicho. Elas conseguem ser mais competitivas que os bancos, por isso acabam fazendo parcerias", diz Horn.

REGULAMENTAÇÃO AVANÇA

O ambiente para as fintechs tem sido estimulado pelos próprios agentes reguladores, que demonstram um esforço para mitigar a concentração bancária no país e reduzir o spread bancário (diferença entre o custo de captação e o ganhos dos bancos), um dos mais altos do mundo.

O Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) têm adotado uma série de medidas para facilitar a abertura das empresas. No mês passado, um decreto do presidente Michel Temer passou a permitir a participação estrangeira de até 100% nas fintechs de crédito.
“Há espaço para as fintechs. Elas estão se aproveitando da concentração bancária, mas só vão conseguir se estabelecer se houver um crescimento da economia”, afirma Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper.

Mercado com potencial trilionário

A proliferação de fintechs no Brasil não ocorre por acaso. Existe um ambiente favorável para atrair capital que hoje está concentrado no setor bancário.

Somente no mercado de fundos, por exemplo, os brasileiros têm R$ 4,4 trilhões investidos, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). A maior parte desses recursos está alocada em bancos tradicionais.
“A inovação tecnológica no mundo da indústria de fundos já vem se consolidando há algum tempo”, diz o superintendente-geral da Anbima, José Carlos Doherty. “O mercado está crescendo e a tendência é crescer mais. E a minha visão é de que as fintechs vão agregar valor aos serviços já prestados, de auxiliar os investidores”, afirma.
É de olho nesse mercado trilionário que o empresário Tito Gusmão partiu para a sua segunda fintech. Depois de fundar a XP, ele abriu a março do ano passado o Warren, uma plataforma de investimento virtual que identifica o grau de risco e o perfil do investidor para montar um portfólio.

Hoje, a plataforma que usa inteligência artificial para indicar produtos financeiros já tem 60 mil investidores e a meta é alcançar o primeiro milhão sob gestão até meados de 2019.

“Em alguns países, 95% das pessoas têm investimentos em corretoras. No Brasil, é o oposto. Mas esta migração está ocorrendo e vai acontecer”, acredita Tito.

Para Horn, da Abfintechs, ganhar escala exige tempo, mas há mais acesso a capital do que antes. “Avançamos bastante nesse ponto, existe um ecossistema robusto com aceleradoras, fundos de venture capital e uma regulamentação que está ajudando”, diz.