01/07/20 13h20

Mais do que nunca, grandes apostam nas startups para sua transformação digital

Alexandre Villela, diretor executivo do Qualcomm Ventures para a América Latina, mostra como funciona o investimento de corporações nas startups e por que esse pode ser um bom negócio ao empreendedor

Pequenas Empresas e Grandes Negócios

A atual pandemia só reforçou a necessidade de setores tradicionais pensarem em novas formas de alcançarem seus consumidores -- o que geralmente passa por conhecer o que empreendimentos mais inovadores estão fazendo. Algumas corporações já se aproximam das startups faz tempo, porém. Elas criam veículos próprios de investimento em inovações, conhecidos como fundos de capital de risco corporativo (ou CVC).

Segundo a empresa de análises CB Insights, o volume investido por meio desses fundos cresceu 8% e chegou a mais de US$ 57 bilhões no último ano. Uma em cada quatro transações de investimento já contam com a participação de ao menos uma corporação. Cerca de mil CVCs começaram suas atividades nos últimos cinco anos.

O Qualcomm Ventures é um dos fundos de corporate venture capital mais históricos, seja pelos anos de investimento ou por suas equipes baseadas em sete regiões do mundo. O grupo de investimento em capital de risco pertence à Qualcomm, fabricante de itens semicondutores, como chips e processadores. O fundo de CVC faz investimentos estratégicos em empresas de tecnologia desde 2000. No Brasil, atua desde 2012 e já colocou recursos em startups como 99 (participação vendida), CargoX, Hand Talk, IDWall, Ingresse, Loggi, Mandaê, Memed, Quinto Andar, Strider (participação vendida) e Zoop.

"O Brasil é um dos maiores mercados consumidores e concentra 70% dos recursos de venture capital na América Latina. Fazia sentido termos uma operação focada na região e baseada no Brasil", diz Alexandre Villela, diretor executivo do Qualcomm Ventures para a América Latina. O fundo investiu em cerca de 16 empresas da região, geralmente entrando nas séries A e B.

Como funciona um fundo de capital de risco corporativo

O que é comum em fundos de corporate venture capital é uma ligação, ainda que indireta, entre os objetivos da organização e as startups investidas. A Qualcomm fornece tecnologia para serviços como computação, internet, mobilidade e telecomunicações. Então, faz sentido que empresas que levam a logística para o mundo virtual sejam interessantes (como 99, CargoX, Loggi e Mandaê). "Cada uma das startups investidores tem uma determinada sinergia com a Qualcomm e seus semicondutores", diz Villela.

A dona do corporate venture capital vê o contato com startups como um pilar fundamental para sua transformação digital. "As grandes empresas têm uma paranoia sobre disrupção. O CVC ajuda a identificar tendências que a afetem de forma positiva ou negativa. Também é uma forma barata de testar novos modelos de negócios e eventualmente até comprar startups."

Para as startups, o diretor executivo afirma que um bom fundo de CVC traz sua experiência. O corpo técnico da grande empresa se aproxima dos empreendedores, compartilhando o cronograma de desenvolvimento. Segundo Villela, o ideal seria ter investidores tanto com background corporativo quanto com background de capital para startups. "Quase todos os nossos aportes têm coinvestimento, seja por aqui ou nos Estados Unidos. A combinação de gestores top de linha no venture capital e corporações acaba sendo muito rica aos empreendedores."

CVC no antes, durante e depois da pandemia

O diretor executivo viu uma melhora na qualidade dos empreendedores brasileiros e no interesse dos investidores durante os quase dez anos da Qualcomm Ventures no país. Alguns fundadores trabalharam no Vale do Silício e resolveram retornar ao Brasil para empreender. Em outros casos, estrangeiros viram oportunidades no país. Exemplos são Federico Vega (CargoX) e Fabien Mendez (Loggi). Já falando do capital de risco, fundos como o criado pelo conglomerado japonês SoftBank aceleraram o crescimento de startups brasileiras.

A recente pandemia causada pelo novo coronavírus não alterou os planos do Qualcomm Ventures. "É preciso consistência para ter uma boa amostra das safras. Manter-se ativo anos de altos e baixos garante retornos consistentes", diz Villela. "Investimos em anos de crise no país, como 2015 e 2016, e continuamos ativos em 2020. A economia é sempre cíclica na América Latina. Precisamos mirar em horizontes de longo prazo e nos manter ativos na região, apesar dos solavancos." O Qualcomm Ventures realiza de dois a três investimentos anualmente. Para cada startup, computa um retorno que vem de cinco anos para frente.

Para o diretor executivo, a safra (vintage) de empresas investidas durante a crise costuma dar um retorno superior em relação à safra de um ano sadio. "Você faz investimentos a avaliações de mercado mais atraentes ao fundo. Os investidores são mais seletivos, subindo a barra para novos aportes. Por fim, as empresas têm uma capacidade de atrair talento maior do que em outros anos, por conta da oferta de profissionais." As hoje gigantes de tecnologia Uber e Airbnb foram fundadas respectivamente em 2008 e 2009, por exemplo.

Todas as startups brasileiras precisaram analisar custos e capacidade de liquidez. Algumas captaram recursos no ano passado, enquanto outras se esforçam para melhorar seu horizonte de vida caso não entrem receitas (runway). "Ninguém sabe quanto tempo vai durar essa crise. Em geral, as empresas estão sentando em cima do sei caixa e tentando não perder talentos", diz Villela.

Outras startups têm uma realidade muito diferente: negócios dentro do portfólio do Qualcomm Ventures em ramos como comércio eletrônico cresceram. "A crise está mudando o comportamento do consumidor. Os supermercados veem um aumento da penetração de e-commerce, por exemplo. Uma pequena fatia passou do offline para o online, o que já representa bilhões de dólares. Startups que olharam para tais tendências se beneficiaram."

O fundo de capital de risco corporativo está olhando para tendências além da logísitica e da mobilidade. Indústria e saúde estão na lista do futuro, usando tecnologias como robótica e internet das coisas. A previsão -- claro -- inclui os semicondutores fabricados pela Qualcomm.