10/02/20 10h52

O poder dos fundos soberanos

Trilhões de dólares de investidores públicos e privados dos Emirados Árabes irrigam setores e empresas em todo o mundo e criam oportunidades de negócios em países como o Brasil

InvestSP

Nem todos conseguem enxergar, mas há investimentos árabes por quase todos os setores produtivos no Brasil. Os Emirados Árabes Unidos são donos de alguns dos maiores fundos soberanos do mundo, como o Abu Dhabi Investment Autority (Adia) e o Dubai Foreing Direct Investment Agency (Dubai FDI), assim como outros importantes protagonistas do mercado global de capitais privados, como Mubadala Investment Company, Waha Capital e Dubai Holding. Juntos, estima-se que eles tenham mais de US$ 3 trilhões para injetar em empresas e projetos, especialmente nas áreas de infraestrutura, mineração, óleo e gás, aviação e energias renováveis, como solar e eólica, além da indústria de alimentos e agricultura. “Nossa estimativa é que o total administrado por fundos soberanos árabes chegará a US$ 15 trilhões em 2050, impulsionado pelas boas oportunidades e parcerias em países em desenvolvimento e nas economias em processo avançado de amadurecimento econômico como o Brasil”, afirma a economista Fatima Al Arabi, fundadora da Alaf Capital, empresa de consultoria de investimentos. “O momento é excepcional para empresas captarem, com projetos consistentes, recursos de fundos árabes.”

O poder dos fundos dos Emirados Árabes está em sintonia com um movimento que acontece em quase todos os grandes produtores de petróleo do Oriente Médio. A estratégia de longo prazo é capitalizar a presença dos dólares arrecadados com a atividade petrolífera das últimas décadas para perpetuar a saúde e a sustentabilidade financeira dos países da região. Atualmente, os dez maiores fundos soberanos do mundo somam em torno de US$ 5,5 trilhões. Segundo Michel Alaby, consultor e ex-executivo da Câmara de Comércio Árabe-Brasil, cerca de 40% são fundos árabes, sendo que a maioria dos investimentos por essa via feitos pela comunidade muçulmana em países estrangeiros nos últimos anos ocorreu no Brasil.

A última grande operação no país foi a aquisição de quatro áreas de exploração de petróleo por meio da Qatar Petroleum, na 15a rodada de licitação de exploração de petróleo e gás, por R$ 1,02 bilhão.

O processo de diversificação e expansão do mapa-múndi dos investimentos dos Emirados Árabes ganhou impulso após a crise financeira de 2008. Até então, grande parte dos recursos eram destinados a investimentos no setor imobiliário e em títulos públicos de países com altas taxas de juros, como no Brasil de anos atrás. No entanto, essa dinheirama árabe migrou para participações em negócios privados e para alimentar o caixa de fundos voltados a novos empreendimentos, especialmente de private equity e venture capital. “Os investimentos começaram a crescer à medida que os árabes entenderam que o segredo do negócio é diversificar”, diz Fahad Al Sharekh, sócio da corretora de investimentos Techinvest.

O horizonte de negócios com fundos dos Emirados Árabes sem dúvida é promissor para as empresas brasileiras. Em recente encontro com investidores em Abu Dhabi, o vice-presidente-executivo do grupo Mubadala, Waleed Al Muhairi, afirmou de forma categórica que o fundo soberano árabe pretende ampliar os investimentos no Brasil durante a próxima década, o que indica o fortalecimento do cenário econômico nacional. O Mubadala, considerado um dos maiores fundos soberanos dos Emirados Árabes Unidos, começou a atuar no Brasil de forma mais intensa a partir de 2011, por meio de parcerias em algumas empresas do Grupo X, de Eike Batista. Embora alguns negócios não tenham sido bem-sucedidos, o fundo manteve suas fatias em operações mesmo após Eike sair de cena. Foi o caso, por exemplo, do Porto Sudeste no município fluminense de Itaguaí.

Além disso, o Mubadala participou do consórcio que adquiriu da Odebrecht a concessionária Rota das Bandeiras – rodovia paulista Dom Pedro I, que liga o Vale do Paraíba a Campinas. Ainda tentou obter o controle da Invepar, que investe em estradas, mobilidade urbana e aeroportos (como o de Cumbica, em Guarulhos, o mais movimentado no país). “Aqui estamos como amigos. Vemos a economia do Brasil em crescimento”, disse Al Muhairi, em recente evento da Apex.

Atualmente, o Mubadala Capital (braço gestor para o fundo e a terceiros) administra pelo menos US$ 2 bilhões (cerca de R$ 8,3 bilhões) investidos em portos, rodovias, mineração, imóveis e entretenimento no território brasileiro. A julgar pelas cifras, o fundo continua com apetite por grandes negócios. Segundo Al Muhairi, é fundamental que a economia do Brasil se mantenha mais dinâmica e aberta aos negócios. “Se enxergarmos algo de interessante, vamos estudar e levar [os projetos] em frente”, reafirmou ele, que destacou como prioridade os setores de óleo e gás, incluindo logística e refino, além de infraestrutura e construção civil.

Em 2019, o Mubadala compôs um consórcio destinado à aquisição da TAG (rede de gasodutos do Nordeste), mas não conseguiu vencer a pesada concorrência. No entanto, o fundo aposta em outras obras, como a ligação rodoviária entre Piracicaba e Panorama, no interior paulista. A licitação está prevista para 2020 e deve atingir nada menos que R$ 16 bilhões, além de rodadas de aeroportos marcadas para 2020 e 2021. Juntas, podem provavelmente render acima de R$ 10 milhões e incluir Congonhas e Santos Dumont.

A exemplo da ofensiva do Mubadala, Abu Dhabi Investment Authority (Adia) registra ativos de até US$ 828 bilhões. No entanto, ao contrário do Mubadala, que investe na compra de participações em negócios ou adquire controles, o Adia prefere aplicar em ações e papéis de dívida. O fundo árabe detém aproximadamente 15% do capital do grupo direcionado aos emergentes. Porém não divulga o montante colocado na Bolsa brasileira. Na opinião do embaixador Fernando Igreja, os fundos soberanos dos Emirados Árabes Unidos dão prioridade aos investimentos de longo prazo que proporcionam segurança. Segundo levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil está em quarto lugar como destino do fluxo de capital entre os componentes do G20 (bloco das maiores economias do mundo). Não por acaso, os árabes mantêm importantes fundos soberanos atrás de oportunidades no cenário dos emergentes.

Embora a taxa básica de juros, a Selic, esteja na mínima histórica, de 4,5% ao ano, a rentabilidade dos investimentos brasileiros ainda é mais sedutora do que a oferecida por muitos países desenvolvidos, onde os juros estão perto ou mesmo abaixo de zero. Por isso, além de comprar ativos, nos últimos tempos os grandes investidores vêm buscando parceiros, de acordo com Rubens Hannun, presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Segundo ele, nos últimos dois anos a Câmara estuda com o BNDES criar mecanismos que facilitem e estimulem investimentos por aqui. “Ampliar a infraestrutura brasileira vai facilitar o escoamento da produção, principalmente de insumos agrícolas e de proteínas”, afirma.

Nos Emirados Árabes, assim como nas principais economias do Oriente Médio, o acesso aos alimentos produzidos no Brasil é mais do que uma questão estratégica. Frente ao rápido crescimento de suas populações e cercados por terras desérticas, a importação de grãos e de proteínas animais é fundamental. O fluxo de produtos e recursos foi facilitado no fim de 2018, depois que um acordo entre Brasil e Emirados Árabes Unidos eliminou a bitributação sobre empresas que operam nos dois países. “Isso impedia muitos investimentos árabes no Brasil”, garante Hannun.

Ao que tudo indica, não há limites para os investimentos árabes por aqui. Na avaliação de Bernardo Parnes, sócio-fundador da empresa de assessoria financeira independente Investment One Partners, os investimentos não são apenas financeiros, voltados ao lucro imediato, mas com objetivos estratégicos de longo prazo. À frente de gigantes globais como Deutsche Bank e Merrill Lynch na América Latina, além da JSI Investimentos, family office de Joseph Safra, Parnes é considerado um dos principais elos dos investidores globais com os árabes. “Os recursos, se existem boas oportunidades de negócios, estão prontos para ser acessados”, afirma.