13/02/20 14h02

São Paulo: terra de negócios com os Emirados Árabes

O Estado mais rico e industrializado do Brasil é a principal conexão da América Latina com o imenso mercado consumidor do Oriente Médio

InvestSP

Locomotiva da economia do Brasil, responsável por 32% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, que é a soma de todas as riquezas produzidas pelo país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), o Estado de São Paulo é também a principal conexão comercial com os Emirados Árabes Unidos. Quase a metade de todo o comércio entre os dois países saiu de empresas paulistas, desde produtos agrícolas e alimentos até produtos manufaturados, como equipamentos médicos de última geração. Pelos cálculos do Consulado Geral dos Emirados em São Paulo, com base nas estatísticas fornecidas pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), o fluxo comercial acumulado entre janeiro e setembro de 2019 mostra que o embarque de produtos brasileiros para lá alcançou US$ 1,727 bilhão, crescimento de 17,26% na comparação com o total contabilizado no mesmo período do ano anterior. Já as exportações emiráticas para o Brasil dispararam 117,09% no mesmo intervalo, alcançando US$ 392,77 milhões. Por sua vez, os números da Câmara de Comércio e Indústria de Dubai no Brasil apostam que, de janeiro a novembro de 2019, o comércio superou US$ 2 bilhões.

POTENCIAL ECONÔMICO

Os números paulistas explicam a força de São Paulo na relação com o Oriente Médio e o mundo. O Estado concentra, por exemplo, mais da metade da produção das instituições financeiras brasileiras, se destacando principalmente em serviços prestados às empresas (47,91%), serviços de informação (45,43%), além de saúde e educação (33,85%). “O Estado de São Paulo oferece muito potencial de comércio e investimento em uma ampla gama de setores econômicos, incluindo agricultura, manufatura de alimentos, logística, infraestrutura, parques industriais e comércio”, afirma João Paulo Paixão, chefe do escritório internacional da Dubai Chamber of Commerce & Industry no Brasil. “Além disso, as oportunidades de investimento estão disponíveis por meio de parcerias com as partes interessadas do setor público e privado, que permitem aos investidores se beneficiar de tecnologia e conhecimento”, garante (leia mais na entrevista na página 41).

Entre os produtos que lideram a lista de exportação dos Emirados Árabes para o Brasil estão, no topo, os derivados de petróleo e combustíveis, responsáveis por 73% da pauta. Em seguida, destacam-se produtos químicos e petroquímicos – voltados para a indústria farmacêutica e de embalagens, por exemplo –, seguindo por peças e turbinas para aviões. No sentido contrário, de itens made in Brazil embarcados para lá, puxam a fila alimentos como carne de frango (com 25% do total) e carne bovina (13%), além de derivados de cana-de-açúcar (9,9%) e ouro (8,7%).

CENTRO FINANCEIRO

Em razão de o Estado de São Paulo ser o principal centro financeiro do país, e com o maior e mais moderno parque industrial, as empresas paulistas são as que despertam o interesse dos investidores e empresários árabes. Embora a produção agrícola paulista esteja espalhada por todo o território do Estado, São Paulo tem fortalecido sua atividade industrial com o aprimoramento de polos de desenvolvimento. Como exemplo, o Vale do Paraíba concentra indústrias que fabricam aeronaves, veículos, como a General Motors e Volkswagen, além de produzir alta tecnologia, eletroeletrônicos, têxtil e química. Já a região de Campinas centraliza grande parte das indústrias voltadas a automóveis, tecnologia da informação e petroquímicas, enquanto a região metropolitana da capital abriga todo tipo de atividade econômica. Assim como a indústria de transformação, o agronegócio paulista é um dos pilares do desenvolvimento do Estado e do país.

O trunfo é a diversificação. Entre as principais culturas estão cana-de-açúcar, laranja, milho, soja, banana, tomate, mandioca, batata, feijão, algodão e café.

A solidez da economia paulista também está ancorada em sua tradição. As maiores indústrias de São Paulo começaram a surgir logo depois de 1929, com a quebra da bolsa de valores de Nova York, que resultou na crise cafeeira. Desde então, São Paulo supera com grande vantagem a produção de outros importantes parques industriais nacionais, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

A pujança econômica de São Paulo é alimentada também pelo fortalecimento da geração de riqueza e conhecimento da capital, metrópole que ocupa o décimo lugar no ranking de cidades mais ricas do mundo. Estima-se que até o ano de 2025, a terra da garoa será a sexta mais rica de todo o planeta. Isso porque São Paulo atrai milhares de turistas para a cidade todos os anos, o que contribui para a melhora do dinamismo da economia do Estado. Atualmente, se destaca no contexto da América Latina como o principal centro de finanças, além de possuir a maior infraestrutura de hotéis do país recebendo muitos eventos tanto internacionais como também nacionais, por exemplo, relevantes congressos e feiras. Com 45 milhões de habitantes e PIB de

US$ 647 bilhões, a economia paulista é comparável à da Argentina, sendo também o melhor lugar para se investir na América Latina.

ESTADO COM CARA DE PAÍS

O Estado de São Paulo é um dos mais importantes centros de desenvolvimento do hemisfério Sul e abriga 21% da população do Brasil. Como base de comparação, sua população é maior que a da Austrália e do Canadá. Com 248,2 mil km2, o Estado de São Paulo supera o tamanho do Reino Unido.

E mais: São Paulo apresenta um dos melhores desempenhos nacionais em relação às condições de vida da população. Nos últimos anos, houve significativos avanços nos indicadores de longevidade e escolaridade do conjunto das cidades paulistas, além de redução das taxas de mortalidade e pelo aumento da cobertura da educação infantil, fundamental e médio. Não é por obra do acaso que possui a mão de obra mais qualificada do país. Na comparação no campo econômico, o PIB é maior que o de países como Chile, Bélgica, África do Sul ou Singapura.

Segundo o embaixador Kenneth Nóbrega, responsável pelas áreas do Oriente Médio, Europa e África, existe um imenso potencial em troca de investimento entre o Brasil e os países árabes, especialmente dentro do programa de parcerias e concessões com o setor privado, que devem exigir investimentos de até R$ 1,2 trilhão. Atualmente, o Brasil recebe R$ 5 bilhões dos fundos soberanos que possuem mais de US$ 1 trilhão em disponibilidade de investimento.

Anunciada em maio deste ano, a abertura de um escritório comercial do governo do Estado de São Paulo em Dubai ocorrerá no dia 4 de fevereiro de 2020. Será o segundo escritório internacional do Estado. O primeiro foi inaugurado em agosto em Xangai, na China, maior parceiro comercial do Estado e do Brasil. A estreia será marcada com uma missão empresarial aos emirados de Dubai e Abu Dhabi, entre 8 e 13 de fevereiro, liderada pelo governador João Doria. Já está confirmada a participação de 40 empresas dos setores de alimentos, logística, portos, máquinas, têxteis e supermercados.

Segundo Doria, a programação da missão foi elaborada bilateralmente. “Nossa intenção com a missão é abrir e operar o escritório. Começaremos a viagem por Abu Dhabi, depois iremos a Dubai. Essa é minha estratégia, levar empresários brasileiros com interesses específicos no Oriente Médio. As expectativas são grandes, vamos nos reunir com os dois fundos de investimento mais importantes do Oriente Médio, Adia (Abu Dhabi Investment Authority) e Mubadala, teremos audiência privada com os príncipes de Dubai e Abu Dhabi, e agendas oficiais com grupos privados e instituições financeiras”, afirmou o governador, durante evento, no começo de dezembro. Na avaliação do presidente da InvestSP, Wilson Mello, a escolha de Dubai para a missão e abertura do escritório comercial foi estratégica. “Sempre respeitamos a vocação dos países e regiões onde vamos nos instalar. Quando organizamos a missão de Dubai e Abu Dhabi, olhamos para a região e tentamos identificar as grandes oportunidades”, afirma Mello. “O potencial logístico da região é muito importante. O Brasil tem uma força muito grande na indústria de alimentos e Dubai pode ser um grande vetor na importaçãode alimentos”, garante.

Por que o Estado de São Paulo é o principal elo comercial do Brasil com os Emirados Árabes Unidos?

São Paulo é uma porta importante para as exportações agrícolas e industriais do Brasil. Sua posição na América do Sul é, em muitos aspectos, semelhante ao status de Dubai como um centro comercial preferencial aos produtos importados e exportados para os Emirados Árabes Unidos (EAU) e região do Oriente Médio. Nos últimos 20 anos, São Paulo tem sido um dos principais importadores de produtos dos EAU, bem como o principal exportador do Brasil para lá. Em média, durante esse período, São Paulo respondeu por 46% de todo o comércio entre o Brasil e os EAU. Excluindo os dados de dezembro, ainda indisponíveis, as exportações brasileiras de janeiro a novembro de 2019 para os Emirados Árabes Unidos já ultrapassaram US$ 2 bilhões, um aumento de 12% em relação ao mesmo período do ano passado, superando o valor de todo o ano de 2018.

Quais são os setores de maior destaque?

Olhando para os 87 setores exportadores do Brasil, São Paulo lidera como principal fonte em 49 deles, incluindo produtos como ouro e joias, açúcar, petroquímico, turborreatores, aeronaves e alimentos, extratos e essências, ovos, polpas congeladas, frutas cítricas, produtos capilares, equipamentos médicos. Portanto, desde produtos básicos até produtos de alto valor agregado. As exportações dos Emirados Árabes Unidos para São Paulo saltaram de US$ 11 milhões em 1999 para um pico de US$ 356 milhões em 2013. Nos 53 setores importadores do Brasil, São Paulo lidera como principal destino em 24 deles, e isso inclui produtos como barras de alumínio perfis, polímeros de etileno, tubos de ferro fundido, livros, produtos de borracha, chás, tâmaras, sem mencionar os dois principais produtos importados: petróleo (São Paulo é o segundo principal Estado importador, mas, historicamente, é o primeiro) e fertilizantes (São Paulo é o quarto principal importador). Esses dois produtos representam 87% da cesta de importações, que permanece muito concentrada. A médio e longo prazo, São Paulo e Dubai devem manter seus respectivos papéis como centros regionais de negócios, comerciais, logísticos e financeiros, principalmente porque esses dois destinos oferecem os ambientes de negócios mais propícios e hospedam a sede e as operações das principais empresas.

Existe espaço para mais crescimento?

O Estado de São Paulo oferece grande potencial de comércio e investimento em uma ampla gama de setores econômicos, que inclui agricultura, manufatura de alimentos, logística, infraestrutura, parques industriais e comércio. Além disso, as oportunidades de investimento estão disponíveis por meio de parcerias com as partes interessadas do setor público e privado, que permitem aos investidores se beneficiar de tecnologia e conhecimento.

As empresas árabes demonstram interesse em se instalar no Estado?

Várias empresas dos EAU já estão presentes em São Paulo e firmaram parcerias para garantir produtos-chave, como proteína animal, açúcar, grãos e sementes. De fato, a segurança alimentar é um fator determinante que alimenta o comércio bilateral e São Paulo serve como um importante ponto de distribuição a partir do qual os produtos alimentícios brasileiros são exportados para os EAU e reexportados para muitos outros mercados no Oriente Médio, Ásia e África. O turismo é outra área de sinergia entre os Emirados e o Brasil, que oferece um enorme potencial de negócios. Com voos diretos entre Dubai e duas das principais cidades brasileiras operando diariamente e a valiosa experiência dos EAU no setor de hospitalidade, há muitos caminhos de cooperação que podem ser mais explorados. Como líder regional em energia renovável, o Brasil pode dar apoio aos EAU nessa área, na medida em que o país trabalha para atingir sua meta de gerar 75% das necessidades de energia a partir de fontes limpas.

O ambiente de negócios tem melhorado para ambos os lados nos últimos anos?

A Dubai Chamber of Commerce & Industry, uma organização pública sem fins lucrativos, desempenha um papel crucial na expansão dos vínculos comerciais de Dubai com mercados promissores em todo o mundo. Atualmente, a Dubai Chamber tem mais de 240 mil membros e 11 escritórios internacionais, entre eles um escritório de representação em São Paulo. Desde sua inauguração em 2017, o escritório de São Paulo tem ajudado empresas brasileiras que desejam fazer negócios em Dubai e alavancam a cidade como um centro estratégico para expandir sua presença global.

A Dubai Chamber também organizou várias delegações comerciais, com vários empresários brasileiros que participaram de grandes feiras que ocorreram em Dubai durante todo o ano, como Arab Health, Gulfood, Beauty World, GITEX, os maiores eventos focados no setor na região do Oriente Médio e Norte da África.

Esses eventos são importantes para aproximar os empresários?

Com certeza. Dubai agora está se preparando para sediar o maior evento da história da região, a Expo 2020 Dubai, que reunirá 25 milhões de visitantes de todo o mundo e contará com 192 pavilhões de países. Organizado sob o tema “Oportunidade, Mobilidade e Sustentabilidade”, o megaevento proporcionará uma plataforma ideal para as empresas brasileiras expandirem seu alcance e impulsionarem seu perfil global. Como parceira oficial de integração de negócios da Expo 2020, a Dubai Chamber planeja sediar mais de 33 eventos durante a exposição mundial, incluindo 30 seminários com foco no país (um seminário voltado ao Brasil) e o maior Global Business Forum Latin America, oferecendo uma grande oportunidade para o Brasil mostrar seu potencial econômico ao mundo e estabelecer parcerias benéficas.

Os Emirados Árabes enxergam o Brasil com otimismo?

Estamos confiantes de que o Brasil encontrará seu caminho para o crescimento sustentável nos próximos anos, em particular com melhorias no ambiente de negócios, infraestrutura logística, maior abertura econômica e laços mais estreitos com países amigos como os EAU.

Existem entraves para o fortalecimento do comércio entre os dois países?

Eu diria que a grande distância geográfica entre o Brasil e os EAU, bem como a falta de conhecimento das oportunidades bilaterais de negócios, permanecem como barreiras ao comércio. No entanto, um progresso considerável foi feito nos últimos anos para remover esses obstáculos e aumentar o intercâmbio comercial. A expansão de voos diretos, visitas de alto nível, a flexibilização das restrições de vistos e o estabelecimento do escritório de representação da Dubai Chamber no Brasil são desenvolvimentos importantes que fortaleceram os laços econômicos entre EAU e Brasil nos últimos anos. A visita oficial do presidente brasileiro Jair Bolsonaro aos Emirados Árabes Unidos reflete o forte compromisso do Brasil de melhorar as relações. Durante a visita, o Brasil e os Emirados concordaram em avançar as relações bilaterais no nível da parceria estratégica, por isso os dois países assinaram vários acordos cobrindo inteligência artificial, meio ambiente, defesa, cooperação comercial e aduaneira, abrindo caminho para uma nova fase de cooperação econômica frutífera.

Com a decisão da Emirates de oferecer voos sem escala entre São Paulo e Dubai, os negócios estão mais fáceis para os dois lados?

Certamente, a presença da Emirates Airlines desde 2007 oferecendo voos diretos diários entre São Paulo e Dubai ajudou muito no fluxo de comércio entre os dois países, especialmente após julho de 2018, quando brasileiros e nacionais dos EAU conseguiram obter vistos de entrada múltipla, sem taxa válida por 90 dias desde a chegada. A presença da Emirates no mercado brasileiro permitiu à companhia aérea desempenhar um papel crucial no aumento do intercâmbio comercial entre São Paulo e Dubai, além de impulsionar os fluxos comerciais.

Qual o papel do Brasil no plano de diversificação dos Emirados e como São Paulo pode ajudar?

O governo dos EAU possui uma visão estratégica e prospectiva que tornou a diversificação econômica uma prioridade. Ao investir no desenvolvimento de novos setores e na adoção de tecnologias avançadas, os Emirados Árabes Unidos estão aumentando sua competitividade a longo prazo e salvaguardando sua economia contra os preços voláteis do petróleo. Várias metas e estratégias ambiciosas foram adotadas nos EAU nos últimos anos. Isso inclui o Dubai Blockchain Strategy, posicionando Dubai como a primeira cidade totalmente equipada com blockchain até 2020, o Dubai Smart City Vision, que vai transformar Dubai em uma das principais cidades inteligentes do mundo até 2021, e a Estratégia dos Emirados Árabes Unidos para Inteligência Artificial, que visa acelerar que o governo desempenhe e elabore um ambiente criativo propício com alta produtividade.

Existe uma política de longo prazo para atrair empresas?

Os Emirados Árabes Unidos estão fazendo grandes avanços na atração de empresas líderes, empresas iniciantes e investidores estrangeiros que estão diversificando ainda mais os setores e criando oportunidades de negócios no mercado. O comércio exterior de Dubai torna-se um pilar essencial dessa estratégia de diversificação, à medida que as empresas com base no emirado se aventuram em novos mercados em todo o mundo, o que lhes permite garantir produtos importados e aumentar as exportações. O Brasil é um mercado de importância estratégica para Dubai a esse respeito, e existe um enorme potencial para São Paulo desempenhar um papel maior na expansão do escopo do comércio bilateral no futuro.