31/07/14 18h23

Bactérias ajudam a despoluir o solo e a tratar esgoto

Valor Econômico

No Estado de São Paulo, há mais de 4,5 mil áreas contaminadas por produtos tóxicos, com aumento de 10% entre 2012 e 2013, de acordo com dados da Cetesb, agência ambiental paulista. Em três de cada quatro pontos cadastrados na lista, a poluição do solo é causada por postos de combustíveis. O aperto das normas ambientais contra o principal vilão aqueceu nos últimos anos a oferta de soluções para sanar o problema acumulado por décadas, abrindo janela para o mercado de produtos biotecnológicos que intensificam processos já existentes na natureza com objetivo de degradar derivados do petróleo de forma mais rápida e eficiente.

Entre as alternativas está o uso de microrganismos que "comem" hidrocarbonetos e são cultivados em condições controladas para uso no tratamento de solos. Conhecido como "biorremediação", o método baseado nas "bactérias do bem" é aplicado há mais de 20 anos no mundo e hoje se expande no país devido ao crescimento do mercado de combustíveis e à necessidade de reduzir custos com o depósito em aterros especiais para resíduos perigosos. Com a Resolução Conama 273/2000, que obriga os postos de combustível a construir tanques subterrâneos mais seguros contra vazamentos, é maior a retirada de solos para aplicação da tecnologia.

"O desafio é criar condições adequadas de umidade, temperatura e nutrientes para as bactérias agirem a favor, degradando o óleo, assim como costumam fazer com os demais componentes orgânicos do solo", diz Antonio Januzzi, superintendente de tecnologia da Estre, empresa de limpeza urbana e tratamento de resíduos, com capacidade de processar 450 mil toneladas de solo nas unidades de Paulínia (SP) e Curitiba (PR), a partir de processo biotecnológico alemão. "Além dos postos de gasolina, há demanda por descontaminação em refinarias e empresas de óleo e gás", diz Januzzi, ao lembrar que outras soluções, como a queima em fornos de cimento, nem sempre é viável devido ao poder calorífico inadequado.

Há tecnologias que limpam o solo no próprio local, sem necessidade de removê-lo e de levar para galpões. É o caso de veículos que funcionam como máquinas de lavar terra. Neles o material recebe descontaminantes naturais à base de terpeno, subproduto do processamento do suco de laranja, e ao final do processo o óleo é separado para nova utilização. "A lógica é imitar no controle da poluição o papel de assepsia desempenhado pelo terpeno na natureza", explica Marcelo Ebert, diretor da TerpenOil, empresa que inicialmente absorveu o know-how, 100% nacional, para retirar graxas de peças de fogões e geladeiras na fábrica da Whirlpool. A demanda cresceu e recentemente a empresa se associou ao Banco Santander para formar a Ambievo, negócio com foco em áreas contaminadas, com previsão de faturar R$ 100 milhões até 2016. "O mercado é muito promissor, porque o passivo de solo contaminado é estimado em 53 milhões de toneladas no país", analisa o empresário.

O produto de origem vegetal e renovável é utilizado para descontaminação do ar em edificações, principalmente as que recebem selo de construção sustentável. A fórmula é empregada ainda para inativar odores do tratamento de esgoto doméstico, como ocorre em Rio Claro (SP). Durante a Copa do Mundo, a Inova - concessionária de limpeza urbana em São Paulo - aplicou a solução para acabar com o mau cheiro do lixo produzido pelos torcedores que se concentraram no bairro paulistano da Vila Madalena.

"Não existe alternativa única para a questão dos resíduos e o Brasil está longe do ideal", afirma Diógenes Del Bel, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos (Abetre). "Os avanços são tímidos porque as leis não são cumpridas e falta fiscalização, o que dá margem ao descarte clandestino."

Além de reduzir a poluição, métodos biológicos geram oportunidades de negócio, como é o caso da empresa Bioland, de Piracicaba (SP), que transforma resíduos orgânicos de indústrias alimentícias e de produtos de higiene e cosméticos em fertilizantes para a agricultura. Desenvolvida nos EUA, a tecnologia é baseada na melhor dosagem de ar, nutrientes e água para os microrganismos trabalharem sem restrições na decomposição do resíduo. "O mercado é atraente, ainda mais diante da necessidade de se recuperar e enriquecer solos hoje degradados no país", avalia Kátia Beltrame, diretora da empresa, com capacidade de processar 3 mil toneladas mensais de lodo industrial para fazer adubo orgânico.

O método de tratamento de esgoto pela ação de bactérias, conhecido como "lodo ativado", é antigo. Em 2014, completou cem anos. Foi desenvolvido na Inglaterra, em resposta ao avanço da urbanização e hoje é comum em todo o mundo. No entanto, a atual oferta de soluções biotecnológicas importadas que prometem maior eficiência é vista com reserva por empresas de saneamento, como a Sabesp, em São Paulo. "A viabilidade econômica não está comprovada", ressalta o superintendente de inovação, Américo Sampaio.

Para ele, produtos à base de enzimas e bactérias precisam de estudo criterioso para evitar o risco de desequilíbrio ecológico quando disseminados no ambiente. "Pozinhos à base de microorganismos vendidos no mercado como solução mágica são inadequados para uso em larga escala, mas podem ajudar em atividades pontuais, como tratamento de efluente industrial."

Recentemente, para despoluir e reduzir os odores do rio Pinheiros, em São Paulo, a Cetesb realizou teste-piloto com produtos de empresas interessadas na futura obra. Dos 24 fornecedores que participaram da avaliação, três apresentaram soluções de biotecnologia. O estudo concluiu que todas as opções, em maior ou menor escala, promoveram melhorias na qualidade da água, provando que é possível mudar a realidade do rio. A redução dos contaminantes não atingiu o padrão Classe 4 do Conama, necessário para que o rio possa ser utilizado para navegação e harmonia paisagística.