15/02/17 14h56

Como a FAPESP ajudou São Paulo a se tornar uma referência em ciência, tecnologia e inovação

Pesquisadores da USP das áreas de matemática, estatística e computação explicam de que forma a agência de fomento contribuiu para o desenvolvimento do Estado e mostram que ela continua sendo um agente fundamental nesse processo

ICMC

Qual a importância da FAPESP para o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da inovação no Estado de São Paulo? Para responder à pergunta, a professora Maria Aparecida Ruas, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, recorre ao livro “Crônicas subversivas de um cientista”. Ela abre na página 148, onde sublinhou um pequeno trecho à lápis, e começa a ler: “a verdadeira revolução paulista aconteceu em 1960, com a criação da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Foi com a FAPESP que São Paulo saiu da Idade Média, que a universidade deixou de ser um clube onde se reuniam ilustres médicos, engenheiros e advogados para trocar ideias, que a indústria e a agricultura paulista encontraram apoio e base para um desenvolvimento tecnológico autossustentável, que a Economia, as Ciências Humanas e as Letras foram reconhecidas como atividades válidas e úteis, que, enfim, a pesquisa nas Ciências, nas Técnicas e nas Atividades Culturais foi reconhecida como elemento-chave para o progresso da sociedade”.

O livro é de autoria de Luiz Hildebrando, professor-emérito da Faculdade de Medicina da USP e da Universidade Federal de Rondônia, que foi um dos mais respeitados especialistas em doenças tropicais do mundo. Na obra, ele relata uma curiosa história que está na gênese da FAPESP: era março de 1960 quando recebeu um telefonema de seu cunhado pedindo auxílio para o matemático italiano Jaurès Pacifico Cecconi. Convidado a vir ao Brasil pelo também matemático italiano Achille Bassi, Cecconi foi um dos pioneiros do Departamento de Matemática da Escola de Engenharia de São Carlos, que iniciou suas atividades em 1953 e, anos depois, deu origem ao ICMC. A vinda de Cecconi ao país foi custeada pela USP e, ao conquistar uma vaga no Istituto Matematico Universitá di Genova em 1960, ele decidiu pedir que a Universidade arcasse com os custos de transporte para que pudesse retornar à terra natal. No entanto, o Conselho Universitário da USP não aprovou a liberação dos recursos. Por isso, Luiz Hildebrando foi acionado, na esperança de que conseguisse uma solução. O fato é que, depois de algumas conversas, a situação chegou ao conhecimento do Governador do Estado, Carvalho Pinto. Ele forneceu os recursos para Cecconi, pediu desculpas pelo ocorrido e agradeceu pelos serviços prestados ao Brasil.

“Na verdade, em certo sentido, esse problema do professor Cecconi acirrou as discussões sobre a necessidade de se criar uma fundação para o fomento à pesquisa e contribuiu para o surgimento da FAPESP. Tudo ocorreu em uma época em que estava sendo debatida a eleição para o novo reitor da USP. O grupo de Luiz Hildebrando conseguiu articular a indicação de um reitor que apoiava a criação da Fundação”, explica a professora Maria Aparecida. “É claro que a FAPESP não foi projeto de uma única pessoa, porque ninguém faz um grande projeto sozinho. Em geral, isso costuma ser o resultado do trabalho de muita gente, mas São Carlos faz parte dessa história”, completa.

Na verdade, muitos especialistas ressaltam que o embrião da FAPESP já estava se formando desde a Constituição Estadual de 1947, quando foi incluído um artigo atribuindo 0,5% da receita do Estado de São Paulo à pesquisa científica. Mas a lei que criou a FAPESP só foi promulgada em 18 de outubro de 1960 por Carvalho Pinto. Quase 30 anos depois, em 1989, o artigo da Constituição foi alterado e atribuiu-se o mínimo de 1% da receita tributária do Estado para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico.

“O fato de ter recursos assegurados é o que faz a diferença em São Paulo, porque você tem continuidade e pode planejar. Como construir um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), que necessita de investimentos de longo prazo, se você não sabe se terá esses recursos à disposição?”, diz o professor José Alberto Cuminato, do ICMC, que coordena o Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), um dos 17 CEPIDs apoiados atualmente pela FAPESP.

Os CEPIDs são uma iniciativa que a agência de fomento lançou em 2000, com a missão de realizar pesquisa fundamental ou aplicada, com impacto comercial e social relevante, contribuindo para a inovação. Cada Centro pode ser apoiado por um período de até 11 anos. Aprovado em 2011 pela FAPESP, o CeMEAI começou suas atividades em junho de 2013 e o valor concedido para o Centro em seus primeiros cinco anos chegará a R$ 13 milhões.

Criando redes de colaboração – Dos 17 CEPIDs financiados pela FAPESP, nove deles estão localizados no interior. Apenas na cidade de São Carlos existem quatro Centros: além do CeMEAI, há o Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica; o Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros; e o Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos. Segundo o professor José Carlos Maldonado, do ICMC, esse é um dos diferenciais de São Paulo: os investimentos em ciência, tecnologia e inovação não estão concentrados apenas na capital do Estado.

Em São Carlos, quando são comparados os recursos repassados pela USP ao ICMC com os auxílios fornecidos pela FAPESP, o impacto da agência de fomento fica ainda mais evidente. No período de 2013 a 2016, o ICMC recebeu R$ 21,3 milhões da FAPESP, sem contabilizar as 375 bolsas concedidas nesses quatro anos pela agência. Isso representa mais que o dobro do valor repassado pela USP para custeio das atividades do Instituto, que totalizou, aproximadamente, R$ 9,5 milhões no período (veja gráfico e tabela).

Maldonado destaca que a distribuição de competências, habilidades e investimentos em todas as regiões do Estado também é observada no caso dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia em Sistemas Embarcados Críticos (INCTs). O programa foi criado com o intuito de articular grupos em campos na fronteira do conhecimento e em áreas estratégicas para o país, sendo coordenado pelo CNPq em cooperação com entidades que aportam recursos financeiros ao programa, tal como a FAPESP. De acordo com Maldonado, em função dos recursos fornecidos pela fundação, São Paulo é o Estado que sedia o maior número de INCTs, cerca de 30% do total, abarcando as sete áreas do conhecimento propostas pelo programa: “É interessante observar que mais de 50% desses INCTs estão localizados no interior”.

O professor coordenou, de 2008 a 2014, o INCT-Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC), que deu origem a uma rede de pesquisa na área, composta por 347 integrantes e por 30 laboratórios, além de contar com a participação de diversos parceiros empresariais. Ao unir academia e indústria, essa rede apoiou o desenvolvimento de diversas soluções e aplicações para áreas estratégicas como meio ambiente, segurança, defesa nacional e agricultura. Um exemplo dos resultados obtidos foi o desenvolvimento do primeiro carro autônomo que circulou pelas ruas de uma cidade da América Latina, o Carina II.

O professor revela que, em função da atuação da FAPESP, São Paulo é o único estado brasileiro em que os investimentos estaduais em ciência, tecnologia e inovação são comparáveis aos investimentos federais. “Todas as áreas de pesquisa, inclusive a de computação, na qual atuo, não estariam no estágio de desenvolvimento e maturidade que estão se não fossem os investimentos contínuos e de qualidade da FAPESP, em consonância com investimentos de outras agências de fomento do Brasil e do exterior”, afirma Maldonado, que redigiu um artigo sobre o assunto.

O professor ressalta que a continuidade dos investimentos foi essencial para a consolidação de interações entre os pesquisadores: “Em ciência, sem redes de colaboração você não consegue solucionar problemas complexos e multidisciplinares”. Maldonado salienta, ainda, que a FAPESP tem uma infraestrutura de avaliação muito eficiente, comparável às melhores agências de fomento internacionais. “O tempo de análise de mérito pelos pares encontra-se entre os melhores do mundo, com retorno em prazos muito razoáveis. Esse aspecto é indispensável para a aplicação de recursos de forma e

fetiva e com resultados de excelência”, explica.

A riqueza que vem da matemática – No simpósio Desafios para a Ciência e Tecnologia no Brasil, realizado no ano passado, Cuminato foi convidado para falar sobre o estado da arte e as perspectivas para a área de ciências matemáticas no país. “Talvez muitos de vocês não acreditem que a matemática pode ser útil como geradora de riquezas”, declarou o professor no evento. Logo depois, apresentou os resultados de um estudo realizado na Inglaterra mostrando que as ciências matemáticas são responsáveis por gerar 16% do Produto Interno Bruto (PIB) inglês. Uma pesquisa similar conduzida na Holanda mostrou que 9,5% do PIB holandês corresponde à riqueza produzida pela área. “A matemática pode ser e é um gerador de riqueza nos países desenvolvidos. Infelizmente, o Brasil ainda não se deu conta disso”, ressaltou o professor na ocasião (assista ao vídeo).

 Para Cuminato, é preciso continuar investindo na matemática pura, mas também é necessário valorizar a matemática que se dedica a solucionar problemas práticos: “Por meio do CeMEAI, temos a oportunidade de promover a matemática industrial no país. Mas ainda é uma gota no oceano. Não basta ter um CEPID, precisamos mudar o academicismo de nossas pós-graduações. Nossos alunos não podem ser formados apenas para se tornarem professores em universidades, eles devem ter contato com os problemas da indústria. É necessário promover uma mudança na nossa cultura.”

Além de propiciar a criação de um mestrado profissional em matemática, estatística e computação aplicadas à indústria (MECAI), o CeMEAI também propôs a realização de um workshop dentro do Programa de Pós-graduação em Ciências de Computação e Matemática Computacional do ICMC com o intuito de aproximar o universo da academia e o mundo das empresas. O professor conta que a ideia do workshop é trazer empresas para apresentarem alguns problemas complexos que enfrentam a fim de promover o surgimento de projetos de mestrado e doutorado voltados a superar esses desafios.

 “Já fazemos workshops desse tipo no CeMEAI para resolver questões mais pontuais. Nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Alemanha é muito comum esse tipo de workshop. Porém, lá, as empresas investem mais em inovação e estão dispostas a arcar com os custos desses projetos. No Brasil, ainda não temos essa cultura e, se não houver o apoio de agências de fomento, tal como a FAPESP, muito pouco poderá ser feito”.

Da universidade para a sociedade – De acordo com o professor Francisco Louzada, do ICMC, o financiamento da FAPESP possibilita acelerar o processo de transferência de uma tecnologia criada dentro da Universidade para a sociedade. “O poder público exerce um papel essencial nesse aspecto, pois dá a oportunidade para nós, pesquisadores, aprendermos a captar um problema industrial e teorizar esse problema, gerando produtos acadêmicos – como teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos, livros – e também produtos tecnológicos”, diz o professor, que é coordenador de transferência de tecnologia do CeMEAI.

Entre os exemplos de produtos tecnológicos produzidos pelo Centro ele cita softwares e estudos específicos sobre linha de produção e sobre controle de qualidade. “Isso faz a gente levar a academia para dentro das indústrias, promovendo esse processo de transferência tecnológica e inovação”, completa.

Na opinião de Louzada, analisando a área de estatística, sem a FAPESP não seria possível o Estado alcançar o atual patamar científico. “A estatística tem um processo de interação muito grande com disciplinas de outras áreas e, nesse contexto, precisamos criar novas metodologias para suprir as necessidades dessas áreas”, explica o professor. Assim, conforme vão surgindo novos bancos de dados, com estruturas diferenciadas e novas pesquisas nos diversos campos do conhecimento, a estatística passa por um processo adaptativo e sequencial de desenvolvimento.

 Tal como a estatística, a matemática também precisa de recursos para continuar sua trajetória. “A matemática pura promove a evolução do conhecimento que, depois, vai ser aplicado em diversas áreas. Não investir em ciência básica é dar um tiro no pé, porque ela é o alicerce do desenvolvimento”, ressalta Maria Aparecida. “A FAPESP tem a tradição de ser uma agência de fomento muito eficiente, comparável às agências de fomento de outros países. Não é possível propor a modificação de um projeto que foi realizado com tanto sucesso”, finaliza a professora.