13/03/14 14h13

'Aristocrata digital' dá dicas para as massas

Valor Econômico

Como muitos britânicos, George Milford Haven acompanha "Downtown Abbey", a aclamada série de TV inglesa que aborda as relações entre uma família aristocrata e seus empregados. Mas ao contrário da maioria dos espectadores, o histórico desse empresário de 52 anos remete à parte de cima da mansão - onde vivem os nobres - e não ao andar mais baixo, reservado às pessoas comuns que trabalham na casa. George é primo da rainha Elizabeth II e membro de uma das famílias mais tradicionais da Europa, os Mountbatten, que comanda sob o título de marquês de Milford Haven.

"A trama retrata com fidelidade as transformações que ocorreram com as famílias aristocráticas após a I Guerra Mundial. Algumas nunca conseguiram mudar", diz Milford Haven.

Mudança é uma palavra cara ao empresário. A web é caracterizada, em grande parte, pela ausência de dois conceitos cultivados pela nobreza - privacidade e discrição. No ano 2000, a despeito de sua origem, Milford Haven abriu uma empresa de internet, a uSwitch, para permitir que os consumidores comparassem a qualidade de serviços de energia elétrica e gás, eventualmente trocando de fornecedor. "Por causa disso, as companhias da área não gostavam muito de nós", conta. Essa, porém, não era a opinião do grupo de mídia EC Scripps. Em 2006, a companhia americana comprou a uSwitch por um valor calculado em 210 milhões de libras esterlinas, o equivalente a US$ 400 milhões na época.

Milford Haven se divide entre Londres - onde mora na vizinhança do Highclere Castle, a mansão de "Downtown Abbey" - e a Suíça, mas seu mais recente empreendimento está em São Paulo. Hoje, ele anuncia a abertura do MoneyGuru, um site de finanças pessoais que mescla serviços e notícias.

O modelo lembra o uSwitch. O site britânico aproveitou a retirada dos controles regulatórios do setor energético no Reino Unido para dar ao usuário a liberdade de escolher o serviço que quisesse. A proposta do MoneyGuru é facilitar a vida do usuário brasileiro em meio à burocracia que envolve atividades que deveriam ser simples, como fazer um seguro de vida ou um consórcio. "É fazer com que o consumidor encontre o fornecedor que atenda melhor às suas necessidades", resume Milford Haven.

O investimento para montar o negócio foi de 3 milhões de libras esterlinas. Mais 10 milhões de libras estão previstos para expandir a operação até 2017, diz Stanlei Bellan, que preside a companhia. Os recursos investidos são todos de Milford Haven.

Sob a expectativa de conquistar 10 milhões de usuários até o ano que vem, o trabalho será fazer com que parte desse público feche transações a partir do site. É essa a fonte de receita da companhia. A cada transação fechada, a instituição responsável pelo serviço paga uma comissão ao MoneyGuru. Itaú e Bradesco já fecharam parcerias com o site.

O Brasil entrou na rota de Milford Haven em 2010, quando ele veio ao país em busca de um lugar para investir. O périplo incluiu outros mercados, como a China e a Turquia, mas a decisão recaiu sobre o mercado brasileiro por uma combinação de fatores, como a população jovem, o rápido crescimento da internet e o uso intenso das redes sociais. Essa percepção não mudou desde então. Há dez dias, o empresário e a mulher ficaram impressionados com o que viram no meio de um bloco, em Ipanema, onde ficaram hospedados para assistir ao Carnaval carioca. Nem em meio à folia, os jovens abriam mão de teclar em seus smartphones.

O clima do Carnaval brasileiro é muito diferente do ambiente em que cresceu o marquês de Milford Haven - o quarto homem da família Mountbatten a usar o título. "O nome original da família, de origem alemã, era Battenberg, que no Reino Unido é um bolo muito popular, que você compra na padaria", conta o empresário. A mudança ocorreu na I Guerra, quando seu bisavô, o príncipe Louis de Battenberg, casado com uma neta da rainha Vitória, comandava a esquadra britânica. "O rei George V ponderou que era estranho ter alguém com sobrenome alemão na condução da marinha inglesa contra a Alemanha." O nome foi trocado por seu correspondente inglês - Mountbatten - e o príncipe escolheu a pequena cidade costeira de Milford para homenagear com o título recebido da coroa.

Jogador de polo, o marquês se encontra com a rainha pelo menos duas vezes por ano. "Ela é uma mulher especial", diz. Seu pai foi padrinho do príncipe Philip, membro da família Mountbatten, na cerimônia de casamento real, na Abadia de Westminster, em 1947.

Milford Haven já foi presa dos tabloides britânicos, conhecidos por sua virulência contra a família real. "Tive sorte. Só apareci [nos tabloides] umas duas vezes na vida." O escândalo das escutas telefônicas, que culminou com o fechamento do jornal "News of the World" em 2011, não melhorou muito as coisas. "As escutas acabaram, mas os tabloides continuam exagerando nas histórias. Escândalo é o negócio deles", afirma.

Bem-humorado e sorridente, Milford Haven só assume uma expressão mais grave ao falar do episódio envolvendo Louis Mountbatten, último vice-rei da Índia e seu tio-avô, morto em 1979 pelo Exército Republicano Irlandês, o IRA. Então com 18 anos, o marquês estava em um barco de pesca quando foi chamado de volta pela mãe, zangada porque ele não passara em um exame de economia. Imediatamente, ele interrompeu as férias na costa da Irlanda e voltou para Londres. Um dia depois, uma bomba de 23 quilos explodiu no barco, matando Lord Mountbatten. "Só estou vivo porque fui mal em economia", diz o marquês.