02/07/20 12h14

Eles criaram uma startup na faculdade — e venderam o negócio para uma multinacional

A Mvisia fornece câmeras com visão computacional para linhas de produção. Mas enfrentou uma longa jornada de prototipagem até chegar no produto ideal e na venda de participação majoritária para a fabricante brasileira de equipamentos elétricos WEG

Pequenas Empresas e Grandes Negócios

Os estudantes de engenharia Fernando Velloso e Fernando Lopes transformaram seu trabalho de conclusão de curso em startup. Protótipos, prêmios e anos depois, a Mvisia atende dezenas de clientes. A startup instala câmeras dotadas de visão computacional em linhas de produção.

A tecnologia para controle automatizado das linhas atraiu o interesse da WEG. A multinacional brasileira que fabrica equipamentos elétricos anunciou na semana passada a compra de 51% da Mvisia. Enquanto a WEG procura mais startups para ampliar seu portfólio digital, a Mvisia viu na parceria uma oportunidade de escalar — e enfrentar a atual pandemia causada pelo novo coronavírus.

Dos eucaliptos à visão computacional

Fernando Velloso e Fernando Lopes eram estudantes de engenharia mecatrônica na Universidade de São Paulo (USP). Os dois tinham estagiado em grandes empresas, mas não haviam gostado da experiência e queriam fazer algo diferente. Então, decidiram que seu trabalho de conclusão de curso seria um projeto que pudesse virar uma empresa.

A ideia era criar um produto para o mercado de agricultura. Os estudantes visitaram diversos laboratórios na universidade e participaram de simpósios, conversando com seus participantes.

Assim conheceram a Mvisia, uma startup incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec). A Mvisia nasceu em 2012, com uma máquina que selecionava mudas de eucalipto. Os dois estudantes se uniram aos pesquisadores da Mvisia para cuidar da estrutura da máquina, com um software de visão computacional. Analisando imagens com mudas de eucalipto de diferentes tamanhos e cores, a máquina pode classificá-las automaticamente.

A união gerou um novo protótipo para a Mvisia — e o TCC de Velloso e Lopes. O trabalho foi selecionado pelo AWC, projeto do Instituto TIM que financia TCCs de graduação com potencial empreendedor.

Os estudantes contaram com a mentoria do Núcleo de Empreendedorismo da USP (NEU) durante esse desenvolvimento. "Estávamos no quinto ano de engenharia, sem ideia de como construir uma empresa. O núcleo nos ajudou com uma mentoria durante todo o ano, construindo um plano de negócio em cima dessa máquina de selecionar mudas de eucalipto", diz Velloso. O também estudante Henrique Oliveira entrou para o projeto e se tornou um sócio, mesmo sem obrigação com o TCC.

A empresa ganhou mais uma premiação. O Prêmio Santander de Empreendedorismo 2015 deu R$ 100 mil e uma mentoria na Babson College aos estudantes. "Mesmo contra os familiares, a gente resolveu usar o dinheiro para investir na nossa ideia", diz Velloso. A Mvisia havia feito uma proposta de estágio aos estudantes -- mas eles chegaram com uma proposta de compra da empresa. Velloso, Lopes e Oliveira se tornaram os novos donos da Mvisia em março de 2016. Durante esse ano, notaram a dificuldade de comercializar uma máquina que custa entre R$ 150 mil e R$ 200 mil para produtores nichados.

"Tínhamos dificuldade de comercializar e escalar um hardware sem volume de produção e sem um canal forte de distribuição", afirma Velloso. Os empreendedores viam mais valor no software de visão computacional do que na máquina em si. Assim, resolveram desenvolver uma câmera dotada com a visão computacional.

A câmera pode ser instalada em qualquer linha de produção, dispensando uma máquina específica e ajudando a escalar a Mvisia. Cassiano Casagrande se tornou o último sócio da startup para ajudar na transição ao modelo de câmeras com tecnologia embarcada para controle da linha.

O mínimo produto viável começou a ser desenvolvido em 2017. A Mvisia começou a ver vendas crescentes do produto apenas no segundo semestre de 2019. Hoje, a startup atende dezenas de clientes, cresce 100% ao ano e tem 15 funcionários.

Conversas com a WEG

A fabricante brasileira de equipamentos elétricos WEG está comprando startups para sua vertical de iniciativas digitais. A necessidade motivou uma aproximação com a Mvisia, iniciada no Fábrica do Futuro. O projeto da Universidade de São Paulo tem como objetivo implantar um ambiente de ensino com tecnologias de indústria 4.0.

"Participamos de diversos projetos da universidade como forma de devolver o apoio que recebemos. Também fazemos parte de eventos estratégicos e de associações para ganhar contatos. Foi assim que construímos pontes com grandes empresas", diz Velloso.

Para a Mvisia, a WEG poderia ser um canal forte de distribuição das suas câmeras. "É uma marca muito forte e tira a desconfiança associada às startups. A parceria permitiria vendermos um volume maior, atingindo mais escala."

As duas empresas começaram a conversar em novembro de 2019. O acordo de compra de 51% da Mvisia pela WEG foi fechado e anunciado na semana passada. A startup continua operando de forma autônoma, com mesma sede e mesma equipe. Agora, tem a WEG como sócia e participa de mentorias e de reports de resultados à compradora.

A Mvisia não desenhou novas projeções para 2020, diante do baque sentido com esta pandemia. "Começamos 2020 com recorde de faturamento e caixa, mas março e abril foram muito ruins. Em maio e junho vimos uma melhora, mas ainda não no nível do começo do ano", diz Velloso. "Estamos com os cintos apertados para passar essa turbulência. Só depois vamos projetar nosso crescimento."