04/09/12 10h48

Em Ribeirão Preto, polo de criação ganha força

Valor Econômico

É mais uma tarde ensolarada e quente no inverno seco de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Não chove há semanas, e o ar preserva o cheiro das queimadas feitas nos canaviais para facilitar a colheita da cana-de-açúcar. Secular, essa prática está sendo substituída pela colheita com trator e já não provoca a "neve negra", cujos flocos de cinzas costumavam se espalhar pelas ruas. Na cidade, o que mais se comenta é a história de um adolescente de 14 anos que tatuou o nome da mãe para fazer uma homenagem. Mas a mãe não gostou e o caso foi parar na delegacia.
 
A descrição remete a uma típica cidade do interior, mas o cenário bucólico disfarça a existência de um dos principais polos de desenvolvimento de software do país. Menos lembrada que outras "capitais" tecnológicas - como Recife, Belo Horizonte, Florianópolis e Campinas -, Ribeirão Preto já tem, no entanto, uma vocação bem definida na área: a criação de programas de gestão empresarial (ERPs, na sigla em inglês).
 
O que as empresas de tecnologia da cidade buscam, agora, é se organizar melhor. Em um edifício modesto no bairro de Nova Ribeirânia, na zona sul, um grupo de empresários avalia opções de condomínios na região central para instalar todas as companhias do setor em um único edifício. "Existem opções mais econômicas no entorno de Ribeirão, mas as pessoas não querem trabalhar longe da zona comercial", diz Ronan Rocha, sócio-diretor da Heurys Tecnologia, especializada no desenvolvimento de softwares e aplicativos para empresas e em integração de sistemas.
 
A Heurys foi fundada em 1998, com três pessoas. Inicialmente, funcionava como uma revenda de equipamentos e software e prestava serviços de suporte de TI para companhias. Os sócios logo perceberam que muitos dos softwares à venda requeriam programas complementares para a integração com a rede das empresas. Daí nasceu a ideia de abrir um centro de desenvolvimento de software. Neste ano, diz Rocha, a expectativa é fechar o ano com receita de R$ 5 milhões e uma carteira de 250 clientes. Um dos negócios mais aquecidos é o desenvolvimento de aplicativos para dispositivos móveis, voltados à automação da força de vendas.
 
A Heurys faz parte de um grupo de companhias de tecnologia que se desenvolveram na esteira do crescimento industrial de Ribeirão Preto. A cidade concentra um dos principais polos de produção de equipamentos médicos e odontológicos, além de indústrias de alimentos, bebidas, biotecnologia e bioenergia.
 
Muitas empresas de TI foram fundadas no fim dos anos 90 e início dos anos 2000 para atender à demanda local. Mas passaram a sofrer com o avanço de concorrentes em cidades vizinhas, que recebiam benefícios fiscais e conseguiam atrair, com salários mais altos, jovens saídos da Universidade Federal de São Carlos - principal formadora de bacharéis em ciência da computação da região.
 
A necessidade de tornar as companhias mais competitivas levou um grupo de nove empresários a fundar, em 2004, o Polo Industrial de Software (Piso). Os empreendedores negociaram com a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto a redução da alíquota do Imposto Sobre Serviços (ISS) de 5% para 2% - a mesma de cidades vizinhas. "A formação do polo foi importante para conseguir a redução dos impostos e outros convênios que tornaram as empresas mais atrativas", diz Flávio de Barros, presidente do Piso.
 
Além de obter o benefício fiscal, o polo fechou parcerias com o Senac Ribeirão Preto, o Centro de Integração Empresa - Escola (CIEE) e a Microsoft para a realização de cursos profissionalizantes para qualificar a mão de obra local. As empresas participantes do polo também mantêm um centro de pesquisas e inovação em TI, para o desenvolvimento conjunto de softwares e aplicações. Barros afirma que, durante muito tempo, os empresários se dedicaram a atrair formandos da Ufscar, mas muitos optavam por empregos em companhias do polo de Campinas, que oferece salários mais altos. "A solução foi atrair gente mais jovem e ajudar na sua formação", diz.
 
Atualmente, o polo é formado por 40 companhias de TI - além dos programas de gestão, a atividade se estende principalmente a softwares de análise de dados (BI, na sigla em inglês), de relacionamento com os clientes (CRM), de sistemas de automação de vendas e os serviços de TI. Os principais clientes são empresas dos setores de saúde, automotivo, aéreo, varejista e de agronegócio.
 
Em 2011, as companhias do polo registraram uma receita total de R$ 220 milhões, com crescimento de 20%, semelhante ao dos anos anteriores. A expectativa para 2012 é manter o ritmo de crescimento da receita e elevar as contratações em 20%. Atualmente, as companhias do Piso empregam 1,8 mil pessoas, ante 300 no ano de fundação.
 
Aproximadamente metade da receita é obtida com a venda de softwares e a prestação de serviços para empresas situadas fora da região de Ribeirão Preto. A Consinco, de ERP, é uma das companhias com esse perfil. Fundada em 1990 por um grupo de profissionais que atuava em concessionárias de veículos, ela surgiu como uma companhia de desenvolvimento de sistemas de gestão para o setor automotivo.
 
Em 1998, a Consinco recebeu uma encomenda das empresas varejistas da região para desenvolver um software de ERP para esse segmento. A partir de então, expandiu sua atuação para esse setor. Atualmente, tem 150 clientes de 19 Estados, e unidades em Ribeirão Preto, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte. Para este ano, Silvio Sousa, diretor de serviços da Consinco, prevê um crescimento de 36% na receita, para R$ 27 milhões.
 
A Consico está fazendo mudanças internas para passar de uma companhia limitada a uma sociedade anônima (SA). A mudança na natureza jurídica tem por objetivo atender a critérios do programa BNDES Prosoft, que financia projetos de empresas de software e de serviços de tecnologia da informação (TI). A companhia já encaminhou um pedido de R$ 7 milhões em recursos ao BNDES Prosoft, para expansão comercial, e espera aprovação do financiamento ainda neste ano, já como SA.
 
Outra empresa que estendeu seu trabalho além dos limites de Ribeirão Preto é a Techno Software. Fundada em 1996, a companhia desenvolve há 15 anos as ferramentas de vocabulário em língua portuguesa para a Microsoft. Também desenvolve ferramentas em parceria com a IBM, a Itautec, a Bematech e a Daruma na área de adequação de impressoras fiscais, softwares para teclados e impressoras e projetos de pagamento eletrônico e impressão comercial.
 
A Techno Software tem aproximadamente 30 clientes empresariais e prevê para este ano uma receita de R$ 2,5 milhões. Carlos Henrique Ferreira, diretor da Techno Software, diz que um dos principais focos da empresa para crescer neste ano é a produção de aplicativos para outras companhias. "Há uma demanda crescente das empresas por aplicativos de gestão empresarial. Vou concorrer um pouco com o Silvio [da Consinco]", brinca Ferreira