28/06/19 14h08

Grandes empresas do agronegócio investem em soluções próprias de inteligência artificial

Baseadas em informações geradas em safras passadas, companhias estão desenvolvendo sistemas inteligentes. Opção é estimulada pela proteção dos dados, insumo valioso na agricultura

Gauchazh

Na corrida mundial em busca da adoção de inteligência artificial (IA), fruto da análise de vastas quantidades de dados e da formulação de modelos computacionais voltados à tomada de decisões, grandes grupos do agronegócio não querem ficar para trás. Baseadas nas informações geradas em safras passadas, empresas brasileiras estão investindo no desenvolvimento próprio de sistemas inteligentes — que até 2030 deverão estar presentes em 70% das corporações mundiais, segundo a consultoria McKinsey. A opção de priorizar soluções caseiras, em vez de aderir a modelos prontos oferecidos pelo mercado, é estimulada principalmente pelo domínio e proteção dos dados — um insumo cada vez mais valioso na agricultura.

Um dos maiores grupos em área cultivada no Brasil, com cerca de 455 mil hectares de soja, milho e algodão, a SLC Agrícola começou há pouco mais de um ano a desenvolver projeto de IA. Em parceria com a startup XL7, sediada no Tecnopuc, em Porto Alegre, e focada em ciência de dados e big data, a empresa agrícola está abastecendo um grande banco de informações — com variáveis que vão de fertilidade do solo, variedades cultivadas a mapas de produtividade.

— Com a padronização e cruzamento dos dados de fontes diversas, pretendemos gerar recomendações agronômicas para aperfeiçoar nosso planejamento agrícola — explica Aurélio Pavinato, diretor-presidente da SLC Agrícola, com sede em Porto Alegre.

A plataforma com algoritmos está em fase de conclusão pela XL7. A ideia da SLC é fazer os primeiros testes a campo ainda neste ano para colocar o sistema em prática na safra 2020/2021.

— O objetivo é aprender com os nossos dados, com a interpretação deles — resume Pavinato.

A base para a plataforma foi gerada nos últimos anos em 16 fazendas do grupo, localizadas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Maranhão e Piauí. Anualmente, as propriedades fornecem milhares de informações em 243 mil hectares cultivados com soja, 124 mil com algodão e 88 mil com milho. Apesar de terceirizar o desenvolvimento do sistema, todos os modelos para extrair valor da grande massa de informações serão de uso exclusivo da SLC.

SLC Agrícola gera informações em 16 fazendas com cerca de 450 mil hectares de soja, milho e algodãoLourenço Furtado / Fato e Foto

— A segurança dos dados é uma prerrogativa do projeto. Tudo o que for gerado a partir dessas informações, não pode ser comercializado, é uma solução customizada — explica Carlos Dottori, diretor de Negócios da XL7, com 10 funcionários, a maioria cientistas de dados.

A decisão de elaborar esses projetos internamente, realidade ainda restrita a grandes empresas, pode esbarrar na insuficiência de profissionais em ciência de dados no mercado brasileiro, alertam especialistas.

— A força de trabalho de engenheiros de machine learning (aprendizagem de máquinas) e inteligência artificial ainda é escassa no país — alerta Jhonata Emerick, presidente da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria) e CEO da startup Datarisk.

O dirigente alerta que a empresa precisa estar muito preparada para desenvolver projetos de níveis avançados, exigidos em sistemas mais complexos.

— Não estamos falando de programação, mas de um conhecimento muito especializado, ainda carente no Brasil — alerta o presidente da Abria, entidade criada há dois anos.

Os fatores que devem ser levados em conta na hora de decidir se o melhor é desenvolver internamente ou terceirizar são risco e custo, explica o professor Antônio Maçada, da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

— A falta de experiência em projetos de inteligência artificial pode levar a erros e custos altos, como o abandono do uso da tecnologia — explica Maçada.

Embora o desenvolvimento interno tenha a vantagem da segurança dos dados e do controle dos processos, pondera Maçada, é difícil acompanhar a oferta de empresas especializadas e de novidades em uma área do conhecimento que avança rapidamente.

— Na era do big data, temos dados por todos os lados e poucos setores que utilizam inteligência artificial no reconhecimento de padrões, anomalias e predição — conclui o professor da UFRGS.

Rastreabilidade do algodão, da lavoura ao beneficiamento

Divulgação / Fazenda Bom Futuro

Grupo Bom Futuro criou ferramenta que rastreia algodão desde o campo até o beneficiamentoDivulgação / Fazenda Bom Futuro

O desenvolvimento próprio de soluções inteligentes vem sendo priorizado também pelo Grupo Bom Futuro, de Mato Grosso. Com 550 mil hectares cultivados com soja, algodão e milho em 30 fazendas, a empresa tem um departamento de Tecnologia da Informação, com mais de 30 pessoas trabalhando na digitalização da agricultura e, consequentemente, com modelos de IA.

— Fomos olhar no mercado mundial o que estava sendo feito para desenvolver modelos próprios. A solução caseira nos proporciona uma economia muito grande, além de um controle maior dos processos — conta Inácio Modesto, diretor agrícola do Grupo Bom Futuro, um dos maiores produtores globais de algodão.

Com a interpretação de dados, que no passado ficavam perdidos em diferentes planilhas de Excel, a empresa descobriu a deficiência de cobre e magnésio nas lavouras de algodão.

— Cruzamos e comparamos 329 análises colhidas no campo, nos melhores e piores talhões de produtividade, para chegar a essa conclusão — detalha Modesto. 

Outra solução desenvolvida internamente foi o sistema de rastreabilidade do algodão, do campo até o beneficiamento. Durante a colheita, no enrolamento, é colocada uma etiqueta no rolo com referências sobre a produção, como variedade, coordenada geográfica, umidade e talhão. Quando a colheitadeira despeja o fardo no campo, o dado é enviado automaticamente a um sistema online, que registra cada ponto da colheita. Quando o rolo dá entrada na balança, o portal faz a leitura completa do produto.

— Imaginem isso no passado, quando anotávamos as informações de dois milhões de fardos em bloquinhos de papel — lembra Modesto.

Strider, comprada pela multinacional Syngenta, testará sistemas de IA neste ano Divulgação / Strider

A curva de adoção de sistemas inteligentes por grandes empresas do agronegócio costuma ser acelerada por meio de aquisições de startups. Comprada pela multinacional Syngenta no ano passado, a empresa Strider, focada no monitoramento de máquinas e controle de pragas, está desenvolvendo uma família de ferramentas em inteligência artificial.

— As operações agrícolas são muito interconectadas, do preparo do solo e plantio à proteção de cultivos e colheita. As etapas precisam trocar dados entre si — destaca Luiz Tangari, CEO da Strider, fundada em 2013 em Minas Gerais.

Entre as soluções que serão testadas na próxima safra de soja, milho e algodão está um drone que sobrevoa lavouras para avaliar o índice de emergência das plantas, analisando a distribuição das sementes. O diferencial, segundo Tangari, é a capacidade de processamento das imagens georreferenciadas — sem necessidade de subir os arquivos no computador.

— Com isso, a decisão de replantio de alguma área é rápida, com diagnóstico instantâneo, no próprio campo — explica.

Outra ferramenta é voltada à definição da melhor rota para técnicos percorrerem as lavouras no período de acompanhamento da safra.

— O trajeto de centenas de quilômetros poderá ser traçado pelo computador, em uma espécie de Waze, com base no histórico de safras passadas — detalha o executivo, estimando em menos de cinco anos o tempo necessário para que a inteligência artificial domine o faturamento da empresa.