13/09/18 12h00

Inteligência artificial é promessa de tratamentos de câncer mais assertivos

Startups e grandes empresas se unem a instituições de saúde para o uso de ferramentas no Brasil

Folha de S.Paulo

*Carolina Muniz

A inteligência artificial pode elevar as chances de cura de pessoas com câncer por meio de diagnósticos e tratamentos mais precisos.

No Brasil, startups e gigantes da informática têm se unido a instituições de saúde para testar suas tecnologias.

A Onkos, de Ribeirão Preto (SP), uma das pioneiras no uso de inteligência artificial em diagnósticos moleculares no país, criou um exame capaz de descobrir a origem de um tumor que já se espalhou. Isso é importante para oferecer a medicação mais adequada ao doente, já que as células cancerosas, em geral, permanecem iguais à origem.

No exame, feito a partir de uma biópsia, a inteligência artificial compara o comportamento de genes a um banco de dados com amostras de 4.429 pacientes. Os algoritmos indicam com qual tumor há maior semelhança. “É como a polícia procurando um bandido: ela colhe a impressão digital na cena do crime e cruza com um banco de dados para encontrar quem tem aquele perfil”, diz o biólogo Marcos Tadeu dos Santos, da Onkos.

O teste ganhou o Prêmio Octavio Frias de Oliveira deste ano na categoria Inovação Tecnológica em Oncologia. Mas ainda é para poucos. É oferecido a R$ 5.000 pelo laboratório Fleury, parceiro na tecnologia, com o Hospital de Câncer de Barretos e a Universidade Federal do Maranhão.

“Todo exame molecular é caro. A forma de baratear é ter volume”, afirma Santos, que é fundador da startup Onkos.
O oncologista brasileiro Gilberto Lopes, professor da Universidade de Miami (EUA), afirma que é preciso verificar se a iniciativa, “bem-vinda”, trará ganho real aos pacientes, ajudando-os a viver mais.

Também em parceria com o Hospital do Câncer de Barretos, a startup lançou, em março, um teste para detectar se um nódulo de tireoide é benigno ou maligno, quando o resultado da punção feita no paciente dá “indeterminado”.

O exame analisa o material genético da pessoa e, em seguida, os algoritmos classificam se o padrão se assemelha a nódulo maligno ou benigno. O intuito é evitar cirurgia desnecessária, como a que faria a veterinária Maria Alcina Martins, 40.

Com um nódulo “indeterminado”, ela chegou a marcar a cirurgia mas cancelou ao descobrir a existência de um novo teste —que apontou benignidade.

A inteligência artificial também pode ser usada para indicar, em segundos, o tratamento mais efetivo para cada tipo de tumor em cada indivíduo.

Desenvolvida pela IBM, a tecnologia Watson for Oncology cruza os dados do paciente, inseridos pelo médico, com artigos científicos e registros de casos já tratados, fornecidos por instituições. O conteúdo tem curadoria do Memorial Sloan Kettering, nos EUA, referência em câncer.

“Para um profissional ficar atualizado em oncologia, teria que estudar 29 horas aodia. A ferramenta dá a ele uma quantidade enorme de informações já mastigadas”, diz Fabio Mattoso, líder do Watson Health no Brasil.

O Instituto do Câncer do Ceará, em Fortaleza, usa a tecnologia desde 2017 para “garantir desempenho no desenho de linhas de cuidado personalizadas e melhor custo-efetividade do tratamento”, segundo o epidemiologista Hermano Alexandre Rocha, gestor do Watson for Oncology na instituição.

Mas, na comunidade médica, há dúvidas sobre a assertividade do Watson. Em julho, o boletim norte-americano de saúde Stat informou que o sistema pode sugerir condutas inseguras. A IBM nega.

No Brasil, a Microsoft desenvolve plataforma de lógica semelhante, em parceria com o Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia da  Universidade de São Paulo e o Grupo Oncoclínicas.

“O uso da inteligência artificial na prática ainda é uma promessa. No futuro vai trazer a possibilidade de o tratamento ser mais assertivo para cada paciente”, diz o administrador Luis Natel, diretor do Oncoclínicas.

Para Lopes, da Universidade de Miami, o potencial é enorme, mas companhias tentam vender serviços ainda sem testes e validação adequados.

“Hospitais ao redor do mundo que acolheram essas novas tecnologias muitas vezes o fazem por puro marketing”.

De acordo com o oncologista, há ainda poucos estudos no Brasil sobre o tema e um número restrito de medicamentos anticâncer disponíveis à população. “Com isso, o benefício atual é muito pequeno.”