31/10/12 15h30

Montadoras se preparam para salto na inovação

Valor Econômico

Imagine um carro no qual o motor fosse exigido apenas quando o veículo estivesse em movimento. Durante longas paradas em semáforos ou nos congestionamentos das grandes cidades, seu funcionamento seria interrompido, deixando de consumir combustível e, logo, emitindo menos poluentes. Na sequência, bastaria ao motorista pressionar a embreagem para, automaticamente, acionar o motor e prosseguir a viagem.
 
O sistema, conhecido como start/stop - ou liga/desliga, numa tradução livre -, já é uma realidade em mercados maduros e, agora, surge como alternativa ao desenvolvimento de carros mais eficientes no Brasil.

Com a publicação do novo regime automotivo no início deste mês, colocando a eficiência energética e a inovação no topo da agenda das montadoras, a indústria começa a encarar o desafio de aproximar a qualidade dos carros brasileiros aos padrões já praticados nos Estados Unidos, na Europa ou no Japão.
 
Os estudos para adaptar ao Brasil essas tecnologias já estão em curso e abrem o caminho para o início de um novo ciclo tecnológico na indústria automobilística. Em geral, a indústria de autopeças recebeu o novo regime automotivo com um grande número de ressalvas, sobretudo pelo fato de o governo não incluir benefícios tributários ao setor e permitir a importação de componentes da Argentina. Por outro lado, grandes multinacionais de componentes automotivos comemoram a oportunidade de introduzir no Brasil os sistemas disponíveis nos mercados desenvolvidos e já estão se posicionando para aproveitar esse momento.
 
Até 2017, as montadoras brasileiras terão de melhorar em pelo menos 12% a eficiência energética dos automóveis, o que significa uma redução no consumo de combustível da ordem de 13,6%. Os fabricantes terão de assumir esse compromisso para ter acesso aos descontos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) previstos no regime automotivo.
 
"O que temos disponível hoje não é suficiente para chegar a essas metas. Por isso, o novo regime vai dar uma chacoalhada no desenvolvimento de novas tecnologias", adianta Anderson Citron, diretor da divisão de powertrain da Continental.
 
Especialistas acreditam que as novas regras vão forçar uma evolução do país em direção ao downsizing, ou seja o desenvolvimento de motores menores e mais econômicos, sem prejudicar o desempenho do carro.
 
Esse caminho abre o espaço para a atualização dos sistemas de propulsão, com a chegada de equipamentos como o turbocompressor e a adoção de mecanismos de injeção direta do combustível na câmara de combustão. O maior desafio, como conta Citron, será tornar essas tecnologias compatíveis com o sistema de motorização flex brasileiro, que funciona tanto a gasolina como a etanol.
 
Mas a busca por um carro mais eficiente vai além dos motores. É um processo que inclui a substituição do aço por materiais mais leves na fabricação de componentes, passa pelo controle das emissões de poluentes e chega até as soluções mais econômicas para a iluminação dos faróis.
 
A Magneti Marelli, por exemplo, já mapeou quatro áreas distintas de atuação: propulsão, tratamento de gases, novos materiais e eletrônica. No novo cenário, a empresa de origem italiana vê espaço para desenvolver no mercado brasileiro tecnologias de iluminação de baixo consumo de energia, com a utilização de LED nos faróis e lanternas. Também estão no radar soluções de câmbio automático que impedem o aquecimento excessivo da embreagem e permite o uso inteligente do combustível.
 
Para a Shell, a evolução dos motores vai estimular o consumo de lubrificantes de alto rendimento. A empresa já investiu US$ 2 milhões para produzir na Ilha do Governador (RJ) uma linha de lubrificantes que utiliza um óleo mais refinado. "Hoje, 20% dos lubrificantes consumidos no Brasil precisam desse óleo. A demanda vai crescer porque os motores estão cada vez mais exigentes", afirma Guilherme Perdigão, vice-presidente na América Latina da divisão de lubrificantes da Shell.
 
A partir do ano que vem, a Umicore, empresa de origem belga, começa a produzir em Americana, no interior paulista, uma nova linha de catalisadores, que, segundo seu diretor Stephan Blumrich, libera maior potência ao motor, com menor consumo de combustível.
 
Segundo Blumrich, a solução - lançada há cerca de dois anos na Europa e nos Estados Unidos - passará a ser usada por uma montadora brasileira. "Outras montadoras também vão usar esse produto em breve", aposta.
 
Antecipando-se à tendência, a alemã Continental inaugurou, em agosto, seu primeiro centro voltado ao desenvolvimento de tecnologias de motor no Brasil. Instalado em Salto, no interior paulista, o laboratório será o ponto de partida para a adaptação de sistemas de propulsão hoje oferecidos no mercado europeu. "Vamos investigar novos modelos no ano que vem. Já a produção local é uma questão de viabilidade econômica", conta Citron.
 
No final, a indústria acredita que estará mais competitiva ao alinhar as tecnologias do Brasil com os mercados mais desenvolvidos, colocando o país em condições de concorrer no exterior. Os benefícios, contudo, só devem vir no longo prazo, após investimentos pesados. As estimativas da Anfavea - a entidade que abriga os fabricantes de veículos - apontam para desembolsos mínimos de aproximadamente R$ 14 bilhões em inovação e engenharia.
 
Para estimular os investimentos, e evitar o impacto sobre o preço dos carros, o governo vai dar descontos extras no IPI - de até quatro pontos - para quem conseguir superar os níveis mínimos de eficiência, inovação e engenharia. As montadoras ainda fazem as contas se vale a pena antecipar metas do novo regime, sob o risco de perder competitividade.