24/11/11 14h27

Na contramão, Hyundai aposta no modelo regional para crescer

Valor Econômico

No momento em que parte da indústria automobilística encara o desafio de criar modelos globais de automóveis - capazes de seduzir consumidores em qualquer parte do mundo -, a Hyundai, na direção oposta, mostra-se mais disposta a satisfazer às particularidades de cada região - sobretudo dos mercados emergentes, foco dos principais investimentos da montadora coreana.

Como resultado de uma série de esforços empregados pelo grupo para conhecer melhor o perfil do consumidor brasileiro, a fábrica que está sendo erguida em Piracicaba, no interior de São Paulo, corresponde ao ponto mais alto dessa estratégia.

Para a unidade brasileira, foi concebida uma plataforma de produção nova e dedicada exclusivamente aos carros compactos que serão vendidos apenas no Brasil a partir do fim do ano que vem. Pelo menos na primeira fase do empreendimento, nem mesmo os mercados da América Latina vão ter acesso ao novo carro - embora a fábrica paulista seja, naturalmente, o ponto inicial para uma futura expansão de vendas na região.

Aproximadamente 40 dos principais engenheiros da Hyundai na Coreia do Sul visitaram o Brasil durante a fase de concepção do projeto. A montadora também consultou ao redor de 30 especialistas em design brasileiros para saber se estavam na direção correta os trabalhos realizados no centro de pesquisa e desenvolvimento em Namyang, de onde nascem e são testados seus produtos.

O resultado foi um carro com desenho arrojado para a categoria, que promete fazer barulho entre os compactos situados na faixa de preço que vai de R$ 30 mil a R$ 40 mil, o maior e mais disputado filão do mercado de carros no Brasil.

Diante de montadoras que, na busca por ganhos de escala, preferem trabalhar carros em escala global, reduzindo ao máximo as necessidades de adaptações - caso da americana Ford -, os coreanos acreditam que serão mais eficientes em conquistar consumidores a partir de modelos regionalizados, apesar do custo mais alto dessa estratégia.

A aposta se sustenta na ideia de que produtos globais não conseguem ter sucesso em todos os mercados, dado que as preferências e as necessidades variam de região para região.

Engenheiros que participaram da criação do carro brasileiro da Hyundai contam que diversos desafios precisaram ser superados ao longo do projeto. O primeiro deles foi buscar um produto resistente às condições frequentemente ruins das estradas brasileiras, sem abrir mão do conforto ao motorista.

Junto a isso, era preciso ter em vista um mercado sensível a preços e custos de manutenção, além dos hábitos do motorista brasileiro, que gosta de usar automóveis em viagens turísticas, percorrendo distâncias mais longas em comparação a países como China e Índia, onde o veículo é mais utilizado para finalidades de deslocamento urbano.

"Diferentemente do modelo brasileiro, o carro indiano, por exemplo, não possui compartimento para guardar óculos de sol", diz Woong-chul Yang, vice-presidente da divisão de pesquisa e desenvolvimento.

Por fim, o design do carro teria que estar alinhado ao gosto de um mercado no qual a estética tem peso determinante na escolha do produto.

O compacto que será produzido em Piracicaba está praticamente pronto. Resta apenas a finalização de alguns detalhes de acabamento. "Nosso objetivo é que os brasileiros realmente gostem de nossos carros", afirma William Lee, vice-presidente responsável pela área de vendas internacionais da montadora.

Por enquanto, apenas um grupo de sete jornalistas pôde conhecer, no centro de design em Namyang, os protótipos do automóvel nas versões 1.0 e 1.6, com motorização flex. A versão final só deverá ser apresentada ao público no ano que vem. O alvo são consumidores na faixa de 24 a 40 anos.

Ainda falta definir o nome do veículo, uma decisão que vem sendo tratada com muito cuidado pela direção da Hyundai. Por enquanto, o carro vem sendo chamado pelo nome do projeto: HB, sigla das iniciais de Hyundai Brasil.

A montadora chegou a contratar uma consultoria americana para trabalhar o tema, mas reprovou todas as opções de nomenclatura apresentadas por considerá-las não adequadas. A missão foi, então, transferida a especialistas em marca do Brasil.

Em encontro com jornalistas em Seul, a direção da Hyundai descartou a possibilidade de agregar o carro à família "i" - como os modelos i10, i20 e i30. A ideia é adotar um nome alfabético e mais alinhado à cultura brasileira.

O investimento de US$ 600 milhões na fábrica de Piracicaba coloca o Brasil como a sétima operação da Hyundai fora da Coreia do Sul. A montadora tem centrado seus movimentos internacionais na expansão dos negócios em mercados emergentes, com abertura de fábricas na China, na Índia e na Rússia nos últimos três anos.

Ante a crise da dívida que abala a Europa e a frágil recuperação da economia americana, os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) seguirão no foco dos coreanos. "Esses quatro mercados são os que mais vão crescer nos próximos anos e continuaremos investindo neles. Já não há mais muito espaço de crescimento em países desenvolvidos", avalia Seung-Tack Kim, vice-presidente executivo e diretor de operações dos negócios globais da Hyundai.

Após iniciar em 1997 sua expansão global, com a inauguração de uma fábrica na Turquia, a Hyundai já tem 52% de sua produção fora da Coreia do Sul, o que ainda inclui operações nos Estados Unidos e na República Tcheca.

Esse percentual ficará ainda maior com a maturação da fábrica na Rússia - inaugurada no ano passado com capacidade de produzir 150 mil veículos ao ano - e a entrada de novas operações em 2012. Além de Piracicaba, a Hyundai está construindo sua terceira fábrica na China, cuja inauguração deve ocorrer quatro meses antes do começo da produção no Brasil, elevando a capacidade da filial chinesa em 400 mil veículos, para um total de 1 milhão de unidades.

Embora o Brasil seja o único exemplo de plataforma de produção dedicada, o grupo automotivo desenvolveu centros de tecnologia e de design nos Estados Unidos, na Europa e na Índia para a adaptação de carros a condições locais.

Incluindo os números da Kia Motors - que faz parte do braço automotivo da Hyundai Motor Group, mas é tratada como uma operação comercial independente -, o grupo costuma destinar para as atividades de pesquisa e desenvolvimento por volta de 2% a 3% de sua receita global, que somou US$ 99 bilhões no ano passado.

Com uma estrutura operacional independente - que atua desde a pesquisa, desenvolvimento e testes dos veículos até sua produção e venda -, a filial na Índia se tornou um caso de sucesso na estratégia de buscar soluções localizadas. Lá, a Hyundai alcançou uma participação de mercado ao redor de 20%, com duas fábricas capazes de produzir mais de 600 mil veículos.

No Brasil, a meta é elevar a participação no mercado de 3% para 10%, o que colocaria os coreanos na briga com a Ford pela quarta posição nas vendas de carros.

Além da capacidade produtiva da nova fábrica - que será de 150 mil carros - a projeção considera importações de cerca de 100 mil unidades e a montagem de 50 mil veículos - principalmente o utilitário Tucson - na fábrica em Anápolis (GO), do grupo brasileiro Caoa, que segue como parceiro no país enquanto durar o contrato de licenciamento da marca.

O início da produção em Piracicaba está previsto para novembro de 2012. A Hyundai ainda busca uma sintonia entre as agendas de seus principais diretores e da presidente Dilma Rousseff para confirmar a data da inauguração oficial.