14/05/21 12h36

Projeto entre IEE-USP e IPT avalia potencial de uso de nova variedade de capim elefante para bioenergia e recebe prêmio internacional

IPT

Para avaliar o potencial de uso de uma nova variedade de capim elefante para fins bionenergéticos, a engenheira agrícola e ambiental Alessandra Camelo realizou a caracterização completa da nova cultivar PCEA para definir as melhores rotas de conversão. O estudo foi o tema de sua dissertação de mestrado na área de Análise e Planejamento Energético do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), sob a orientação de Patricia Matai, em parceria com o Programa Novos Talentos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). 

A escolha do tema aconteceu em 2016, quando a ainda estudante de engenheira era estagiária da Embrapa Agrobiologia. Ela tomou conhecimento do desenvolvimento de uma nova cultivar (variedade) de capim elefante pela Embrapa Gado de Leite, a primeira a nível mundial a ser propagada via sementes. "A partir daí se deram tratativas entre as duas Embrapas para a doação de material e as definições experimentais, visando a produção de biomassa para a geração de bioenergia. Neste estudo buscamos confirmar a germinação da nova cultivar PCEA propagada por semente", explica Camelo. 

Embora o Brasil tenha centros capacitados em termos de capital humano e tecnologia para desenvolvimento de variedades de interesse agroenergético nacional, o país ainda importa material para cultivo de capim elefante.

PCEA foi desenvolvida pela Embrapa especialmente para as condições relativas ao solo e ao clima da Região Sudeste, e pode ser semeada em áreas marginais ou agriculturáveis abandonadas, o que diminui a competição por solos com maiores teores de nutrientes 

Os materiais trazidos do exterior são geralmente híbridos de capim elefante com milheto e, apesar de adaptáveis, não apresentam as melhores produtividades em comparação aos cultivares nacionais, uma vez que não foram desenvolvidas para as condições tropicais de clima e de solo da Região Sudeste do Brasil. 

Para poder inferir sobre o potencial de uso de uma cultivar para bioenergia, testes que extrapolassem a lavoura eram necessários, como a caracterização completa da nova biomassa para definir as melhores rotas de conversão a fim de produzir energia, combustíveis ou bioprodutos. "É nessa etapa fundamental de caracterização que se enquadra o trabalho realizado no IPT, buscando suprir o gap entre a academia e a indústria", afirma ela. 

ROTAS TECNOLÓGICAS - Existem várias rotas tecnológicas para a produção sustentável de etanol. A hidrólise foi a escolhida para o projeto. O etanol lignocelulósico pode ser obtido a partir de gramíneas como capim elefante, e a tecnologia da hidrólise vem sendo empregada em biorrefinaria por empresas brasileiras que utilizam bagaço de cana-de-açúcar para a produção do combustível. 

A tecnologia ainda enfrenta alguns gargalos, incluindo a definição de pré-tratamento mais adequado para cada matéria-prima vegetal, que requer estudos específicos; além disso, testes para a identificação das melhores condições de pré-tratamento são necessários, assim como a seleção do agente químico a ser usado em cada etapa do processo. 

Os materiais lignocelulósicos têm em sua composição basicamente celulose, hemicelulose e lignina, cuja proporção varia em função do tipo de material. Esses três compostos formam uma estrutura complexa e compacta, bastante recalcitrante (resistente), de maneira que se faz necessário submeter essa biomassa à tratamentos físicos e/ou químicos para sua utilização. 

QUATRO ETAPAS - "O processo de conversão de biomassa em produtos de interesse comercial, como o etanol, envolve basicamente as etapas de pré-tratamento da matéria-prima, hidrólise por via química ou biotecnológica, fermentação e recuperação do produto", explica o pesquisador do Laboratório de Biotecnologia Industrial, do Núcleo de Bionanomanufatura do IPT, e co-orientador do trabalho, Alfredo Maiorano. 

O pré-tratamento visa a remoção da hemicelulose, a redução da cristalinidade da celulose e o aumento da porosidade dos materiais, de modo a tornar a celulose susceptível à hidrólise. Por sua vez, a etapa de hidrólise pode ser feita por processos que utilizam ácidos, solventes orgânicos ou enzimas. Há um consenso de que a hidrólise enzimática da celulose apresenta grande potencialidade e, atualmente, as unidades implantadas para a produção de etanol 2G fazem uso desse processo. 

A glicose produzida na hidrólise é, então, fermentada por levedura e produz-se o etanol. "Embora muito se tenha avançado em P&D do processo para a produção de etanol 2G, alguns pontos desse processo ainda requerem mais desenvolvimento, como pré-tratamentos com menor consumo energético e sem a formação de inibidores para as etapas seguintes", afirma Maiorano.  

Para a execução do projeto, a engenheira cursou no IEE e na Escola Politécnica da USP as disciplinas obrigatórias e eletivas do Mestrado, enquanto o IPT disponibilizou toda a infraestrutura e o capital humano para as atividades práticas experimentais, que foram desenvolvidas no Laboratório de Biotecnologia Industrial. 

"O Brasil se destaca desde o século XVI como um dos principais fornecedores mundiais de produtos primários. Embora isso tenha importância econômica, os paises com maiores IDH ´[Índice de Desenvolvimento Humano] não são fornecedores de produtos primários, mas sim de tecnologia", lembra 

Para alterar esse cenário, continua ele, surge a necessidade de implantação de politícas para o desenvolvimento da indústria nacional. A estratégia para isso passa pela promoção de ações de P&D&I, que são suportadas por três pilares: agências governamentais de fomento, universidades e ICT e as indútrias. "O Programa Novos Talentos, nessa linha, tem o importante papel de estreitar as relações entre as universidades e o IPT, permitindo a construção de parcerias com potencial interesse ao setor industrial. Soma-se a isso a importante troca de conhecimentos entre a pesquisa básica com a pesquisa aplicada, fruto desta aproximação com a universidade", completa ele. 

RESULTADOS E PREMIAÇÃO - O projeto começou em agosto de 2018 e foi finalizado em agosto de 2020. A pesquisa foi desenvolvida e resultados interessantes foram alcançados: além da caracterização completa da nova cultivar de capim elefante PCEA, o estudo de pré-tratamento foi concluído e os resultados foram publicados este ano no EUBCE, o European Biomass Conference & Exhibition, que aconteceu entre 26 e 29 de abril. 

A PCEA foi desenvolvida pela Embrapa especialmente para as condições relativas ao solo e ao clima da Região Sudeste,  e pode ser semeada em áreas marginais ou agriculturáveis abandonadas, o que diminui a competição por solos com maiores teores de nutrientes a serem empregados para culturas alimentícias. 

Além de boa produtividade em campo (64,90 toneladas por hectare ao ano), a nova variedade mantém características de boa adaptação às condições de cultivo hostis em solos com menores teores de nutrientes e regiões com menor índice de pluviosidade, além de ser responsiva à fixação biológica de nitrogênio, diminuindo a aplicação de fertilizante na lavoura e, consequentemente, a pegada de carbono da biomassa. 

O maior rendimento de celulose entre cultivares que ainda são ou já foram amplamente cultivadas em solos brasileiros é observada no capim Napier - em contraste, a PCEA oferece conteúdo similar de celulose e, o mais importante, a alta produtividade de matéria seca eleva o conteúdo de celulose por área plantada. 

"A PCEA possibilita transporte facilitado e tratos agrícolas mais eficientes por conta da operação de semeadura. No entanto, no que diz respeito à produtividade global, à capacidade de resposta à fixação biológica de nitrogênio (FBN) e ao rendimento da celulose, a cana-de-açúcar continua imbatível. Nesse contexto, novas cultivares de alto rendimento como PCEA são muito importantes, pois contribuem para a diversificação de matérias-primas para a produção de etanol lignocelulósico e para a segurança do setor energético", afirma ela. 

O projeto foi considerado no EUBCE o mais inovador na nova categoria Industry Trakcs, que aloca trabalhos que teriam impacto mais imediato e contribuição para a indústria em cooperação com a academia. O prêmio será entregue durante a cerimônia de encerramento, que irá ocorrer de modo virtual no dia 29 de abril. "Este reconhecimento esta diretamente relacionado ao IPT e ao trabalho desenvolvido, no qual o intuito foi de suprir um gap e engajar academia e indústria para o desenvolvimento de biomassa, impactando o setor energético nacional", conclui ela. 

fonte: https://www.ipt.br/noticia/1670-agricultura_do_futuro.htm