25/10/17 13h59

Teste com caminhão elétrico da Volks revela nova vocação brasileira

Valor Econômico

Enquanto os europeus tornam-se cada vez mais notáveis pelo desenvolvimento de automóveis elétricos, os brasileiros começam a perceber que têm uma grande oportunidade de se destacar em projetos de caminhões e ônibus elétricos. Para WEG e Eletra, empresas brasileiras envolvidas nessa evolução, o Brasil tem conhecimento e talento suficientes para criar um polo de produção e de exportação de veículos de transporte de carga e de passageiros movidos a eletricidade.

Se isso acontecer será a primeira vez que empresas nacionais terão forte atuação no desenvolvimento de um veículo, uma aptidão que historicamente ficava nas mãos das multinacionais. Com sedes em Jaraguá do Sul (SC) e São Bernardo do Campo (SP), respectivamente, WEG e Eletra foram procuradas há pouco mais de um ano pela direção da montadora alemã MAN. Ambas concordaram em formar uma parceria para desenvolver um projeto de um caminhão de entregas urbanas elétrico.

O resultado - um modelo Volkswagen com capacidade para até 11 toneladas de carga e voltado a entregas urbanas - foi exibido numa atmosfera festiva há 15 dias num evento de inovação em Hamburgo, na Alemanha, e na semana passada em São Paulo, na Fenatran, a maior feira de transportes da América Latina. Antes de iniciar a produção desse tipo de veículo para comercialização, a MAN planeja entregar dez unidades do modelo a transportares para testes durante dois anos nas ruas do país.

Em São Bernardo do Campo, a MAN foi buscar a expertise de uma empresa que há quase 30 anos produz trólebus. A Eletra é a maior fabricante de ônibus movidos por energia transmitida por cabos aéreos. Somente para a cidade de São Paulo nos últimos quatro anos a empresa forneceu 220 unidades.

Em Jaraguá do Sul, a montadora aproximou-se de uma das maiores produtoras de motores elétricos do mundo. Fundada no início dos anos 60, a WEG exporta há mais de 40 anos e até produz em outras partes do mundo. "Fomos buscar o que há de melhor no nosso mercado", afirma o presidente da MAN na América Latina, Roberto Cortes.

Na costa brasileira, barcos com motor elétrico da WEG servem de apoio às plataformas de petróleo

"O Brasil pode ser um grande exportador de caminhões e ônibus elétricos", afirma o diretor superintendente da WEG Automação, Manfred Peter Johann. A extensão territorial e o uso de rodovias como principal meio de transporte de carga no país favorecem essa vocação. Para Johann, o mesmo não acontece na Europa, que tradicionalmente faz das ferrovias um dos principais meios de transporte de carga.

Esta não é a primeira experiência da empresa catarinense na área de mobilidade. Há cerca de cinco anos, a WEG experimentou um projeto de caminhão elétrico que não foi adiante. Há mais tempo, em 2003, no entanto, numa iniciativa bem-sucedida, a empresa de motores elétricos participou da reforma de 23 locomotivas que a Vale usa para transportar minério de ferro. Há pouco tempo, a WEG entrou na área naval. Já vendeu motores para 120 barcos movidos a eletricidade usados como apoio nas plataformas de petróleo.

"O Brasil tem esse tipo de tecnologia há muito tempo, mas as políticas públicas para esse meio de transporte não avançaram", afirma Ieda Maria Oliveira, gerente comercial da Eletra e responsável pela participação da empresa no e-Delivery, nome do veículo recém apresentado pela MAN. A Eletra adaptou para o caminhão da Volks o conhecimento que usa nos ônibus. Seu trabalho é fazer a integração dos sistemas necessários para a tração do veículo.

O motor elétrico da WEG é o que faz o sistema de tração do caminhão elétrico funcionar. A energia usada pelo motor vem de baterias instaladas no veículo. Não existe, no entanto, ainda, um produtor de baterias para veículos no Brasil. No caso da MAN, o equipamento é importado da China. Mas existe grande expectativa de que o produto venha a ser produzido localmente. Segundo noticiado pela imprensa de Pernambuco, a fabricante de baterias Moura já demonstrou interesse nesse sentido. A empresa não se pronunciou sobre o assunto.

Mas para o caminhão elétrico conseguir rodar pelas ruas falta, ainda, mais um parceiro. A MAN está em busca de um fornecedor do equipamento adequado para o carregamento das baterias. Ao contrário de um automóvel elétrico, que pode ser recarregado numa tomada, no caso do caminhão isso levaria dias. Nos testes internos a MAN comprou um carregador desse tipo e conseguiu a recarga completa em três horas. Isso garante uma autonomia de 160 a 200 quilômetros. Segundo Cortes, os veículos que entregam bebidas na cidade rodam, em média, 60 a 70 quilômetros por dia.

A vontade de mostrar seu primeiro caminhão elétrico era tão grande que a MAN antecipou-se à formalização de uma negociação ainda não concluída com eventual fornecedor do equipamento de recarga. Ao apresentar o veículo publicamente a MAN anunciou que o desenvolvimento de um equipamento para recarga estava a cargo da italiana Enel, distribuidora de energia.

A Enel, no entanto, não confirma o acordo. A distribuidora já participa de um projeto em postos de recarga para carros compartilhados em Fortaleza. "E temos muitas coisas em estudo, mas ainda estamos avaliando", afirma o presidente da Enel no Brasil, Carlo Zorzoli. "A Enel acredita que a mobilidade elétrica vai chegar mais rapidamente do que a gente pensa. E isso não é necessariamente um problema para os sistemas elétricos. Trata-se de uma oportunidade porque pode aumentar a demanda por eletricidade, que é o nosso negócio", afirma Zorzoli. Segundo o executivo, veículos elétricos podem ser um recurso de armazenamento de energia e parte da solução para a intermitência das fontes renováveis.

O caminhão da MAN ainda não tem preço. Segundo o diretor de engenharia da montadora, Leandro Siqueira, embora o investimento inicial seja mais elevado num elétrico do que num veículo convencional, estudos mostram que os custos de manutenção são menores. A Ambev vai testar o primeiro elétrico da MAN. A segunda unidade está na Alemanha e outros oito veículos serão produzidos em breve para também participar do teste nas ruas.

No e-Delivery, as frenagens também ajudam a carregar as baterias. Quando o freio é acionado, o motor elétrico funciona como um gerador e a energia que seria desperdiçada na frenagem é reaproveitada e armazenada.

Segundo Ieda, da Eletra, a experiência da empresa com os ônibus ensina que as baterias nesse tipo de uso têm cinco anos de vida operacional num veículo. Depois disso, podem ser reutilizadas em aparelhos usados em caso de intermitência ou falta de fornecimento de energia, os chamados "no-break". "Podemos pensar até em criar, com esses equipamentos, carretas de energia que podem ser usadas, por exemplo, num show, no lugar de um gerador", afirma a executiva. Nesse caso, diz ela, as baterias ganham pelo menos, mais 15 anos de vida.

A montadora chinesa BYD foi a primeira a lançar um caminhão elétrico no mercado brasileiro. Já faz um ano que a Corpus, uma empresa de saneamento do interior de São Paulo, usa um modelo elétrico para coleta de lixo. Outro igual já foi para o Rio de Janeiro, segundo o diretor de vendas da BYD, Carlos Roma. Além das baterias, esse veículo também usa energia gerada pelo lixo que recolhe e compacta. No Brasil, a BYD produz ônibus elétricos em Campinas (SP). Mas o caminhão é importado da China.

Outros projetos em andamento podem reforçar a vocação brasileira para a eletrificação de veículos pesados. Johann diz que a WEG já negocia com outras montadoras o fornecimento de motores movidos a eletricidade para veículos. Como fazem multinacionais do setor, a Eletra fornece ônibus que funcionam com baterias, e, ainda, um tipo de híbrido no qual é possível acionar apenas o motor elétrico quando o veículo circular em centros urbanos. A MAN também faz planos para o futuro. Segundo Cortes, a subsidiária brasileira da montadora alemã já trabalha no desenvolvimento de caminhões híbridos.